
Vamos começar com um palácio, muito embora eu acredite que todos os lugares que vamos visitar hoje o são. Estávamos em Veneza no nosso último encontro, e tenho certeza que escrevi admitindo que voltei de lá com mais história do que uma coluna poderia conter.
Como a “descoberta” do Palazzo Pesaro Orfei, que hoje abriga o museu Fortuny. As aspas aqui são um atestado da minha displicência por nunca tê-lo visitado antes. Não fosse uma mostra paralela da Bienal de Veneza, seguiria ignorante da sua existência.
A artista convidada para preencher as galerias no térreo do palácio era Eva Jospin, com seus recortes de papelão gótico-hipnóticos. Encantado por eles, saía em estado de graça quando uma funcionária do museu me lembrou que o bilhete era válido também para as dependências do Fortuny.
“Por que não?”, pensei, e fui subindo as escadas ainda sob o efeito transportador das obras de Jospin. E ao adentrar o primeiro espaço esqueci tudo que havia visto desde essa minha chegada a Veneza. Fui transportado para uma outra dimensão.
A construção em si, do século 15, é um clássico estilo veneziano, já em si deslumbrante. Mas foi a presença de Mariano Fortuny, que para lá se mudou no final do século 18, que fez daquele um palácio de sonhos.
Depois de restaurar seus interiores, Fortuny instalou ali não apenas sua morada, mas também seu ateliê. Dali saíam tecidos deslumbrantes, obras de arte únicas, cenários, quimeras poéticas.
Partes dessas criações estão distribuídas pelos salões e passear por eles é se perder em devaneios. Repetia a mim mesmo que essa era uma vida que valia a pena ser vivida, com beleza, arte, criatividade.
Saí extasiado do Fortuny, com um preenchimento de alma que, embora já tivesse sentido antes, nunca consegui precisar o que me faria ser tomado novamente por ele. Mal sabia eu que, nos meus destinos seguintes, revisitaria esse sentimento com a mesma intensidade, por impulsos diferentes.
Chegando ao Brasil fui direto à Belém, conferir mais uma vez a beleza do Círio de Nazaré. Mesmo participando dessa celebração maior pela sétima vez, estava preparado para me encantar de novo —e assim foi. De uma maneira diferente das outras. Este ano acompanhei a genial Gaby Amarantos pela procissão, distribuindo água aos peregrinos e celebrando o afeto de tudo com uma maniçoba numa casa no Combu. E ainda…
Convidado pelo pessoal do Psica, um incrível festival de música alternativa que acontece em Belém todo dezembro, vi Nazinha passar a poucos metros de distância de um balcão do edifício Manoel Pinto, cercado de artistas, músicos, gente interessante. Um outro preenchimento.
De lá segui para Tiradentes (MG), conferir de novo a Semana de Arte Criativa. Alimentado de inspirações visuais, gastronômicas e ancestrais, subi numa tenda improvisada para brincar de ser DJ para os participantes do encontro. Outra catarse…
Imagens minhas deveras delirantes viralizaram nas redes sociais esta semana e me proporcionaram outra epifania, carregando uma felicidade que me trouxe então a este por do sol que agora me encanta em Lajedo do Pai Mateus, no Cariri paraibano.
Veneza. Belém. Tiradentes. Cariri. Com quantos lugares desse mundo ainda serei capaz de me conectar pela beleza?
Fonte: Folha de S.Paulo