
Caso você tenha gastado todo o tempo de leitura com banalidades sobre Petrobras ou o Deltan Dallagnol, perdeu a notícia mais importante da semana: quinta-feira (18) foi o Dia da Coxinha.
Não fica claro se é dia nacional ou internacional do tão popular salgado. Presume-se que, por ser fruto do gênio desta terra, a homenagem brasileira à coxinha pode ser considerada mundial. Universal, talvez.
Sempre que o assunto “coxinha” desponta nas discussões de redes sociais, alguém traz à baila um dos grandes dilemas modernos: qual o jeito certo de comê-la?
Há quem defenda que a primeira mordida deve ser na extremidade mais fina; outros sustentam que a ponta oposta precisa ser atacada antes. Nunca se chagará a um consenso, pois a questão confronta visões opostas de mundo.
Não é apenas a coxinha. A abordagem da comida encerra um sem-número de ponderações sobre o comportamento humano.
Pegue um prosaico ovo frito. Quem o prefere com a gema dura demonstra resignação à autoridade, concordância com a manutenção do status quo e uma racionalidade que anula os impulsos mais primitivos.
Os amantes da gema mole desafiam a arbitrariedade das normas sanitárias municipais. Sapateiam na cara do risco de pegar uma infecção por salmonela. Tudo para espalhar, lânguida e lascivamente, a gema cremosa no arroz ou no miolo de pão.
Quando se trata de café, há um elemento adicional.
A turma do adoçante burla a dicotomia do amargo contra o açucarado, do austero contra o hedonista. É vista com desconfiança pelos outros dois grupos.
Mas voltemos à coxinha. Há tantas questões latentes num mero salgado de frango!
Para começo de conversa, precisa ser de frango? Coxinha de carne-seca é coxinha? E coxinha de jaca? Se é para ser vegana, por que não bolinha ou rissole, que não remetem a um cadáver desmembrado?
A normalização do requeijão na coxinha expõe o esgarçamento do tecido social. O requeijão entrou como agregador de valor e logo roubou o protagonismo, ante a refogados de frango cada vez mais ressecados e insípidos. A sociedade aceitou passivamente.
A primeira mordida suscitou uma polarização que coloca em campos inimigos até familiares muito próximos. No caso, eu e meu filho de 10 anos.
Ele, que sabe muito pouco da vida, prefere morder antes a ponta mais estreita. Justifica a escolha com a premissa de o recheio é mais abundante na outra extremidade.
Meu filho deixa o melhor para a última mordida, como quem come toda a clara do ovo antes de tocar na gema. Faz sentido, mas está errado.
Porque o certo é segurar a coxinha pela ponta e atacar pela base.
Uma coxinha, o nome já diz, emula uma coxa de frango. Na coxa, o osso fica exposto na ponta estreita, e é nele que você segura.
Tanto que coxinhas de festa infantil ainda têm um palito de dente espetado na parte fina, reminiscência frangomórfica que alude ao osso. Ninguém vai começar a comer um salgadinho por um palito de madeira.
Coxinha pode ser bom, mas ter razão é melhor ainda.
Fonte: Folha de S.Paulo