
O cancelamento, por falta de patrocinadores, do maior festival de empreendedorismo negro da América Latina, a Feira Preta, que ocorreria neste fim de semana (3 e 4 de maio), em São Paulo, causou uma perda econômica e simbólica para a comunidade negra brasileira. Só em 2024 R$ 14 milhões circularam entre empreendedores negros. Uma grana que não chegou nas mãos dos nossos neste ano e uma manifestação cultural preta que deixa de ocorrer.
A Feira Preta dá destaque para artistas negros e se configura como um panorama de tendências da intelectualidade negra, com visibilidade para tudo que está sendo construído ao longo do último ano, em diferentes áreas, como game, gastronomia, design, audiovisual, tecnologia, moda e música. Mais do que um evento, o festival é um movimento, um ponto de encontro e de conexões. Sem sua realização, todos nós deixamos de acontecer, de nos potencializar e celebrar.
Quem trabalha com diversidade percebe que o comprometimento das empresas com a pauta vinha arrefecendo, após chegar ao auge com a morte de George Floyd nos Estados Unidos em 2020. A eleição de Donald Trump no país da América do Norte no fim de 2024 parece ter agravado essa situação. O discurso das empresas agora é que falta recurso para o tema e que há “revisão de estratégias”. As companhias que ainda estavam no estágio de letramento racial, não conseguiram sustentar a mudança em curso, que muitas vezes ainda não tinha sido incorporada em sua cultura.
Entre os governos, houve pouco comprometimento com a realização do evento. A cidade de São Paulo até colocou a Feira Preta na Lei Municipal 15418/2011, mas nunca destinou verbas específicas para a sua realização. Ao contrário, criou o Expo Consciência Negra, na mesma época e locais de realização da feira, trazendo um evento com menos debates e impacto na comunidade negra. Em algumas edições, houve apoios da prefeitura e há incentivo fiscal, como ocorre com o governo do Estado e governo federal. Na estância nacional, aliás, ministérios da Cultura, da Igualdade Racial e do Empreendedorismo, do governo federal, não bancaram a realização do festival para além dos incentivos via Lei Rouanet.
Mas não haveria uma “meritocracia construída” da Feira Preta por conta de todos os resultados econômicos de mais de 20 anos de edições realizadas com competência e comunidade engajada? O racismo estrutural parece ser bem cruel e nos mostrar que mesmo com toda essa estrada ainda há questionamentos e necessidade de se provar.
Futuro
A estratégia da Feira Preta agora é se juntar a outros festivais pretos que também têm tido dificuldade de realizar suas edições, como o Porongos (RS), Psyca (PA), Latinidades (DF) e Batekoo (BA e SP). “Temos o mesmo histórico. Os festivais mais ativistas estão mais na berlinda. Por isso, precisamos atuar em coalizão. Estamos criando calendário e negociação conjunta”, conta Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta, que sonha voltar com o festival em São Paulo em 2026.
Ainda em 2025, o evento desembarca pela primeira vez na programação do Salvador Capital Afro, nos dias 28, 29 e 30 de novembro, na região das docas na cidade baixa da capital baiana. A estrutura deve contar com palco principal, empreendedores, gastronomia, talks, mapping, além das produções do Feira Preta Cria (antigo Afrolab), lançamento de pesquisa sobre consumo e investimento em quilombos no território. A edição só foi possível por conta de apoios dos governos municipais, estaduais e federais.
“A força criativa das pessoas negras ainda depende do governo. O Estado precisa ver a população negra como consumidora e devolver esse investimento”, defende Adriana Barbosa. Os empreendedores da Feira Preta de São Paulo participaram também do Festival “Isso é Samba” e estarão no WME, evento dedicado a mulheres, que também contará com curadoria e atrações do festival.
Nesse cenário, é importante lembrar que nós consumidores temos poder e que precisamos ser mais politizados e fazermos enfrentamentos. Se não me vejo nessa empresa, se a marca não investe, também não compro dela. O mercado também precisa entender que eventos como a Feira Preta não são apenas “social”, mas de consumo, de negócios e que trazem resultados para as pessoas negras, mas também para São Paulo e para o país. Afinal, essa é a revolução que dá baile, que pode até ter uma pausa, mas que não vai parar.
Fonte: Folha de S.Paulo