
Minha mãe tinha um caderninho de receitas, talvez mais de um.
Seu caderno de receitas, como o da maioria das mães daquele tempo, era uma mistureba de anotações e recortes de impressos que vinham de revistas e embalagens de alimentos.
Ele sumiu, foi perdido. Talvez esteja no meio das tralhas na casa da velha, talvez tenha sido emprestado e nunca devolvido.
Como a mãe está inacessível, presa em sua cabeça com Alzheimer avançado, disponho apenas de meus próprios recursos quando quero reproduzir uma receita dela.
Deixo-me guiar pela memória sensorial e por aquilo que observei na cozinha da dona Ana Bertoni. Então preencho as lacunas com minha experiência e meus gostos.
Sou um cara das antigas. Não deve demorar muito até que a inteligência artificial substitua as receitas familiares.
Ninguém mais tem caderno de receitas, nem as mães. Ninguém anota nada à mão. Quase ninguém recorre à mídia física quando quer cozinhar algo diferente. Eu tenho dezenas de livro de culinária que raramente são tocados. É muito mais prático buscar informação online.
Com o inevitável avanço da IA, essas buscas serão cada vez mais direcionadas a robôs que pretensamente entregam um resultado mais personalizado.
Estive recentemente num congresso em Madri que tinha com uma das principais discussões a aplicação da inteligência artificial na gastronomia.
Numa das palestras, foi apresentado um troço (programa? aplicativo?) destinado a criar cardápios para restaurantes que trabalham com menu fixo no almoço. Você alimenta a coisa com parâmetros como estilo culinário, custo e número de serviços.
Aí a parada sugere, para a segunda-feira, salada de batatas, frango com legumes e creme de papaia. Para a terça, salada de legumes, papaia com batatas e creme de frango. E assim por diante. A inovação dispensa a necessidade de um chef. Ela prescinde de criatividade.
Inteligência artificial não cria nada, só recicla conhecimento gerado por humanos. Por isso as mães são muito melhores.
A receita da vez é a brachola que a dona Ana preparava aos domingos, versão Cozinha Bruta. Feliz Dia das Mães!
Rendimento
- 4 porções
- Tempo de preparo 3,5 a 4 horas
Ingredientes
- 4 bifes de coxão duro (aprox. 500 g)
- 4 colheres (sopa) de cebola em tiras
- 4 colheres (sopa) de farinha de rosca
- 4 colheres (sopa) de parmesão ralado
- 4 colheres (sopa) de salsinha picada
- 30 ml de azeite
- 4 dentes de alho picados
- 700 g de polpa de tomate
- 200 ml de vinho tinto
- Sal e pimenta-do-reino a gosto
Preparo
- Ponha os bifes num saco plástico e bata-os com um martelo para ficarem mais finos, maiores e mais macios. Tempere com sal e pimenta
- Recheie os bifes com cebola, farinha de rosca, parmesão e salsinha. Enrole-os e feche com palitos de madeira
- Aqueça o azeite numa panela larga e doure a carne. Reserve. No mesmo azeite, refogue o alho
- Adicione o tomate, o vinho, 300 ml de água e devolva a carne. Cozinhe em fogo baixo, com a panela tampada e sem mexer. Depois de uma hora, vire as bracholas com cuidado. Deixe cozinhar por mais uma hora
- Reserve a carne (ela pode se desfazer se cozinhar mais) e deixe o molho apurar, o que pode levar cerca de 1 hora. Aqueça as bracholas no molho e ajuste o tempero. Sirva com macarrão
Fonte: Folha de S.Paulo