
Maré baixinha que forma piscinas naturais, com água morna e límpida, daquelas que dá para observar bem de perto a vida marinha e a arquitetura do fundo das águas —poderia ser Maldivas, quem sabe Caribe, mas é Flecheiras, vila localizada no município do Trairi, a 130 km da capital do Ceará, Fortaleza. Sim, o paraíso é aqui.
É verdade que todos os dias o mar se enche e o mar seca. Porém, em Flecheiras, há datas em que o mar desce o suficiente para formar a paisagem da água cristalina que encanta qualquer um, especialmente os menos acostumados com as belezas naturais tão pertinho.
Também por isso, é preciso lembrar que, para desfrutar, há a obrigação de preservar. Entrar nessas águas pede calma, para observar com cuidado o que está abaixo dos pés e respeitar a fauna e os biomas que ali vivem.
E tomar banho nas belezas da natureza é também lembrar que fazemos parte dela, tal qual recorda o líder indígena e escritor Ailton Krenak: todos somos parte da natureza e nosso corpo é a Terra.
Assim como o mar ensina, ele também não espera. E nem se prepara para receber.
Para observar o espetáculo natural, é preciso planejar a viagem de acordo com a tábua das marés. Ela é quem indica qual o nível do mar para que o fenômeno se forme e, então, o visitante pode usufruir da paisagem de Caribe cearense.
O ideal é que o mar esteja no nível abaixo de 0,5.
Chegar, porém, não exige grande esforço. Vindo de carro de Fortaleza o acesso é pela CE-085, rodovia de mão dupla. Turistas de fora do Ceará podem alugar um veículo, contratar um transfer, ou pegar um ônibus da empresa Fretcar, que mantém uma linha até a praia do Guajiru, saindo da Rodoviária Engenheiro João Thomé.
Uma vez lá, é hora de esquecer os aluguéis de carros ou mesmo barcos. Experimente caminhar até o Curral do Jonas —currais são espécies de aquários naturais, no mar—, o primeiro de Flecheiras. Fica em frente ao restaurante Caravelas (pergunte a qualquer morador, todos saberão indicar).
Lá é onde se inicia a formação das piscinas.
Além das águas, os bons ventos também levam a Flecheiras. Única praia do litoral cearense localizada em uma baía, ela é o destino favorito dos kitesurfistas. É como se as pranchas e as velas já tivessem se fundido à paisagem.
O horizonte é entrecortado pelo formato delas que, na velocidade da ventania, em até 50 km por hora nos meses de junho até dezembro, fazem o “downwind”, a forma de velejar a favor do vento —outro grande atrativo da praia de Flecheiras.
Em alta temporada, surfistas do Brasil inteiro procuram o destino para realizar a modalidade já consolidada fora do país e, mais recentemente, encontrada em destinos nacionais como a vila cearense.
Flecheiras é casa do Clube da Prancha, mistura de hostel com restaurante e escola de surf. De lá, os esportistas partem pelas águas para as praias do Guajiru e Emboaca, onde fica o Viva Kite, onde também são oferecidas aulas.
Em “surf language”, ambas são praias ideais por conta do mar “flat” e fechado, bem como pela média de “knots” (ou “nós”, em bom português), que variam entre 18 e 25 nesse período.
Os “kite points” oferecem aulas de kite, equipamentos para aluguel, opções gastronômicas e até música ao vivo. Os valores para quem quiser aprender a modalidade chegam a R$ 2.200 por 10h de aula. O que os especialistas explicam é que apenas uma aula não é suficiente para aprender todas as habilidades necessárias.
Mas, se o turista também já for um surfista experiente e quiser apenas aprender novas técnicas, a aula avulsa custa em média R$ 250.
E não só de onda ou piscina se faz um paraíso —na vila, até as areias impressionam. Do alto da duna Quebra Banco, a depender da quadra chuvosa, a vista alcança a formação de pequenos lagos com a água da chuva, compondo paisagem semelhante à dos Lençóis Maranhenses.
Para os mais corajosos, a aventura é descer deslizando pela areia a bordo de um pedaço de madeira, por vezes oferecido pelo bugueiro que faz o transporte até lá. No final da descida, a recompensa é um delicioso mergulho.
Pousadas e casas de pescador
Tal qual costuma acontecer com qualquer lugar fora do grande circuito no Brasil, Flecheiras já teve a alcunha de “intocada” por visitantes em outros tempos. Com população aproximada de 7.790 habitantes, a vila na verdade é moradia desde o início do século 18, quando chegou ali a primeira família.
Hoje, seus moradores vivem da pesca, da agricultura de subsistência, do artesanato, do comércio e das atividades turísticas.
Para se hospedar há o hotel Zorah Beach (@zorahbeachhotel), com inspiração asiática e piscina com hidromassagem. São 23 acomodações divididas em 4 categorias: Vila, Casa Família, Bangalôs e Suítes. Diárias vão de R$ 1.700 a R$ 6.500 a depender da categoria e data.
De frente para o mar e suas piscinas naturais fica a pousada Janelas do Mar (@janelasdomar), tem barzinho, café da manhã bem completo e suítes com categorias diversas. As diárias custam a partir de R$ 1.100.
Na Pousada São Pedro (@saopedroflecheiras), localizada na rua principal, pertinho da praça e do comércio, o custo-benefício é bom, sem deixar o conforto de lado. Tem piscina e café da manhã incluídos e diárias a partir de R$ 250.
Uma experiência mais “roots” é ficar na própria casa dos pescadores, que recebem turistas por preços mais em conta.
O único risco do local é o de não querer mais ir embora. Foi o que aconteceu com a corretora de imóveis e empresária Giulianna Liuzzi, paulistana que, após viver em Fortaleza e em Jericoacoara, escolheu Flecheiras para chamar de lar.
“Vim passar um fim de semana aqui com o meu marido e saí com uma casa alugada e mudança planejada. Em Flecheiras tive meu filho, constituí minha família e decidi ajudar a transformar esse lugar no melhor do mundo”, conta.
Para a missão, montou o Instagra @praiadeflecheiras como uma forma de estimular o turismo na região e divulgar hospedagens, locais para comer e a tão procurada tábua das marés. “Faço turismo de base comunitária, contribuindo para o crescimento da região”, diz.
Fonte: Folha de S.Paulo