
Brasileira percorre Transiberiana com a filha de 2 anos
Imagine percorrer 9,3 mil quilômetros de trem: agora, imagine fazer o mesmo pela Sibéria, e levando uma criança de 2 anos.
Pois foi exatamente isso o que a brasileira Gabriela Antunes, de 36 anos, acabou de fazer: entre 22 de julho e 24 de agosto, ela viajou de Vladivostok até Moscou, na Rússia, atravessando o país de trem pela ferrovia Transiberiana.
Junto com ela estava a filha, Olívia, que completou 2 anos em junho.
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Gabriela e Olívia em Kazan, na Rússia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
Construída entre 1891 e 1916 para conectar Moscou a Vladivostok, na costa do Pacífico da Rússia, a Transiberiana é provavelmente uma das linhas ferroviárias “mais famosas e românticas do mundo”, segundo o próprio site oficial das ferrovias russas.
Gabriela tinha um sonho de adolescência de visitar o país por causa do escritor Fiódor Dostoiévski, que começou a ler quando tinha 15 anos. Estudou um ano de russo na faculdade e, apesar do nível básico no idioma, juntou a cara e a coragem e partiu Rússia adentro.
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Olívia e Gabriela na frente do Teatro Bolshoi, em Moscou, na Rússia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
E nem pensou em deixar Olívia de fora: “Achei legal essa ideia da mãe Rússia, de fazer a viagem mãe e filha”, contou ao G1, que acompanhou (a distância) essa aventura.
Depois de saírem de casa, em Lisboa, no começo de julho, Gabriela e Olívia embarcaram em uma verdadeira aventura pan-europeia. Antes de chegarem à Rússia, passaram por Suíça, França, Alemanha e duas cidades na Ucrânia – de onde seguiram de avião para Moscou. Na capital russa, embarcaram em outro voo, para Vladivostok, no extremo leste do país – onde finalmente pegaram o trem para fazer o caminho de volta à capital.
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Gabriela e Olívia em Novosibirsk, na Sibéria. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
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Brasileira percorre Transiberiana com filha de 2 anos — Foto: Infográfico: Betta Jaworski/G1
Se não tivessem feito as paradas pelo caminho (veja mapa), a viagem direta teria durado 6 dias. A brasileira comprou os bilhetes com antecedência, pela internet. “Que bom, porque é um caos comprar nas estações”, relatou, depois de precisar mudar a data de uma das passagens presencialmente.
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Olívia sentada nas escadas de um dos trens que as duas pegaram para atravessar a Rússia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
Sem recorrer a agências, pediu ajuda a uma amiga ucraniana em Lisboa para entender o russo e acertar nos trajetos; ela teve que comprar cada trecho individualmente, porque o trem não permitia subidas e descidas com a mesma passagem (modalidade hop-on, hop-off).
Só com os bilhetes, calcula ter gastado, ao todo, 550 euros (R$ 2.460). Como ela escolheu viajar de forma econômica, também não pegou os trens de primeira classe.
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Gabriela e Olívia em Moscou, na Rússia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
A brasileira escolheu as paradas que faria levando em conta, principalmente, o horário de saída e chegada, sem dar prioridade ao conforto das acomodações. O maior trecho que passou dentro do trem, entre Khabarovsk e Ulan-Ude, durou 56 horas.
“Você percebe que esse não é um trem para turistas; é o meio de transporte da galera que vive aqui. Todo mundo viaja nele: [para] quem mora por aqui, esse trem é essencial – a veia central da Rússia”, contou.
Solidariedade
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Olívia, Gabriela e os (muitos) amigos russos que fizeram pelo caminho. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
Gabriela e Olívia começaram a viagem pela Rússia sozinhas – mas logo começaram a fazer amigos por onde passavam, e contaram com a solidariedade russa durante toda a aventura.
“Eles são muito amigáveis com pessoas com criança. Se você não tiver uma criança e for uma turista jovem, ou estudante, talvez eles não sejam tão simpáticos. Não sei. Comigo? Nossa, maravilhoso. Sempre sorrisos”, disse.
Em Vladivostok, a primeira parada, conheceram um grupo de russos que mudaria a viagem delas: eles falavam português, e, como dois deles ensinavam capoeira, acabaram fazendo com que as duas fossem recebidas por outras pessoas praticantes do esporte por todo o país.
A “conexão capoeira”, como disse Gabriela, “transformou completamente” a viagem das duas.
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Gabriela e amigas russas que fez em Vladivostok, no extremo leste da Rússia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
“[Quando cheguei a Vladivostok], eu pensei: a partir de agora estou completamente sozinha”, disse.
“É o mais incrível de viajar. Você vai para o lugar mais longe, a 9 mil quilômetros de casa, aonde sempre quis ir mas sempre teve medo. É você entrar uma estranha e, dois dias depois, ter amigos e pensar, eu poderia morar aqui”, disse a brasileira.
A solidariedade russa apareceu logo que a dupla embarcou para a cidade seguinte, Khabarovsk. Assim que entrou no trem, Gabriela percebeu que havia esquecido os tênis no hostel. Uma amiga que tinha feito em Vladivostok, que morava na cidade e embarcava no horário seguinte, levou os sapatos.
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Gabriela e Olívia em Khabarovsk, na Rússia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
E não só isso: levou também as duas para conhecerem a cidade. A moça, que também tinha uma filha, acabou emprestando o carrinho da própria bebê a Olívia para o passeio:
“Ela me disse assim: a sua viagem já é muito difícil. Então a gente tem a obrigação de te ajudar a simplificar a vida o máximo que conseguir. Imagina, eu tinha acabado de conhecê-la e ela largou todos os compromissos que tinha para passar o dia comigo”, observou.
A cidade em si, além de seus habitantes, também ganhou o coração da brasileira. Não foi o caso da parada seguinte do trem, Ulan-Ude. Na cidade, na fronteira da Rússia com a Mongólia, não havia muito o que fazer — exceto por um detalhe curioso:
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Gabriela, Olívia e a ‘cabeça gigante do Lênin’ em Ulan-Ude, na Rússia, próximo à fronteira com a Mongólia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
“Não tem muito o que fazer, tirando a cabeça gigante do Lênin. E não é um busto, é uma cabeça!”, disse Gabriela sobre a cidade.
Mesmo assim, as duas acabaram encontrando figuras interessantes: um grupo de turistas franceses, da terceira idade, que fazia o trajeto entre Paris e Pequim de carro, e uma família russa que as levou para um templo budista na cidade — onde todos acabaram participando, juntos, de um ritual da religião.
Em Goryachinsk, as duas fizeram uma pausa para visitar o Lago Baikal, onde acamparam em casinhas de madeira e experimentaram a sauna russa, a banya.
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Gabriela e Olívia no lago Baikal, na Rússia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
“Este lugar é absolutamente maravilhoso! Estamos no paraíso. É uma comunidade, todo mundo cuida da Olívia, eu deixo ela solta pelo terreno, brincando, correndo, indo nas casinhas das outras pessoas. Liberdade total”, comentou Gabriela.
Lá, ela confirmou outros rumores: “Realmente, os russos, alguns deles começam a tomar vodka às 8h da manhã”, contou.
De todos os lugares que visitaram, Kazan foi a cidade preferida da brasileira.
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Gabriela e Olívia em Kazan, na Rússia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
“Sem dúvida, foi a mais bonita de todas: lindíssima, à beira do rio Volga”, relatou. “Talvez a mais antiga [que visitaram], com casas medievais, histórias legais… É uma cultura muito à parte, diferente”, disse.
Kazan é a capital da República do Tatarstão, região russa onde cerca de metade da população é do povo tatar, cuja religião é o Islã.
Reencontro
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Gabriela, João e Olívia se reencontraram em Nizhny Novgorod, na Rússia, depois de mais de um mês sem se verem. — Foto: Evgeniy Stukachev/Natalia Bogdanova
A dupla não atravessou a Rússia inteira sozinha. Em Nizhny Novgorod, já perto de Moscou, Gabriela e Olívia se reencontraram com João, marido dela e pai da pequena. Na verdade, a reunião terminou sendo uma surpresa — porque as duas haviam saído um dia antes do planejado de Kazan, a parada anterior.
Graças a uma dupla de fotógrafos que conheceram no caminho, conseguiram planejar para que o reencontro fosse filmado e fotografado. E mais: as duas vestiram roupas tradicionais russas para encontrá-lo — em plena estação de trem da cidade.
Os três acabaram também fazendo um ensaio de fotos com Gabriela e Olívia em roupas russas tradicionais.
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Gabriela, Olívia e João se reecontraram de novo depois de sete semanas em Nizhny Novgorod, na Rússia. — Foto: Evgeniy Stukachev/Natalia Bogdanova
João, que é português, não pôde viajar com as duas porque, ao contrário da brasileira, não teve férias nesse período. O passaporte europeu também complicaria a obtenção do visto russo, que exige detalhes da duração da estadia em cada cidade visitada.
“Nos últimos anos, a única razão que impedia era eu — era agora ou nunca”, explicou João. “Surgiu essa oportunidade e achei que ela devia fazer o sonho dela”. Por terem passaporte brasileiro, ela e Olívia não precisaram de visto para visitar a Rússia.
“Nunca me senti tão bem, tão forte. Foi a minha viagem de maior aprendizado”, contou a brasileira.
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Gabriela e Olívia junto a uma estátua de Dostoiévski em São Petersburgo, na Rússia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
Juntos, os três visitaram o motivo da visita de Gabriela ao país: São Petersburgo. Mas a cidade acabou não atendendo às expectativas do casal.
“A cidade foi uma grande surpresa pra gente: muita gente, muita confusão, muito caos, é muito mais estressante do que Moscou, por exemplo, do que todos os lugares onde nós passamos.”
Olívia: a rainha da sociabilidade
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Olívia distribuindo amor para pessoas (e cachorro) desconhecidos em várias cidades da Rússia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
O temperamento de Olívia contribuiu, definitivamente, para a empreitada dar certo – e, inclusive, ajudou a quebrar o gelo com as pessoas, na opinião de Gabriela.
“A Olívia é muito docinha. Ela agradece, se despede, joga beijinho, abraça, beija. Quando ela está com vontade, vai, abraça você e estende o braço pra você pegar no colo. Quando ela não está com vontade, te joga beijinho de longe”, conta a brasileira sobre a filha.
Mesmo assim, manter a pequena feliz não foi tarefa fácil. “Aprendi que a melhor maneira de lidar com birra de criança é dar muita atenção pra ela, conversar. Então, fica a dica – não é brigar com a criança, não. E, sim, dar muito amor — que, aí, ela joga no nosso time”, explicou Gabriela.
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Gabriela amamenta Olívia na Fortaleza de São Pedro e São Paulo, em São Petersburgo, na Rússia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
Para garantir uma bebê contente, Gabriela se certificou de reservar dias inteiros só para ela – sem celular, redes sociais e, nem mesmo, fotos. Até abril deste ano, a brasileira nem tinha uma conta no Instagram; hoje, depois da viagem, tem mais de 11,6 mil seguidores.
Na rede, recebeu muitos comentários positivos: “Se a gente estiver conseguindo, de alguma maneira, com a nossa história, fazer com que as pessoas tenham esperança, então acho que é legal, né? Acho que valeu a pena.”
Mãe viaja?
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Gabriela com Olívia em São Petersburgo, na Rússia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
Mesmo antes de Olívia nascer, Gabriela e João já tinham planos de continuar viajando: juntos desde 2008, calculam já ter visitado 63 países. Olívia, com apenas 2 anos, foi a cerca de 15. A mãe da pequena garante que não vê nada de extraordinário no estilo de vida da família:
“A gente vê outras pessoas com crianças nas viagens e acha normal”, diz. “Eu era apaixonada por viagens. Meu marido sempre soube que até teria filhos, mas só se ele concordasse em continuar viajando”, diz.
Certo é que esse vaivém todo também já deu a Olívia alguma proficiência em entender vários idiomas. Ela entende inglês, alemão e algo de francês. Na Europa há 14 anos, Gabriela é professora de idiomas em uma escola particular de Lisboa (ela fala oito línguas: português, inglês, alemão, francês, russo, espanhol, italiano e norueguês) e tem doutorado em literatura alemã medieval.
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Gabriela, Olívia e João na Rússia. — Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Antunes
João, que é ator, começou um emprego novo em fevereiro, para garantir melhor estabilidade financeira ao casal.
Gabriela está escrevendo um livro sobre as aventuras na Sibéria – e, para o futuro, planeja continuar viajando: neste ano, ainda vai para Marrocos e Inglaterra. No ano que vem, para Escócia e Coreia do Sul. E quer visitar a Rússia de novo, claro.
“Quero voltar no ano que vem e depois descer até Mongólia e China! Viciei neste país”, declara.
Fonte: G1