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O que é o Dia da Vitória, que vai ser celebrado em Moscou com presença de Lula

O presidente russo Vladimir Putin cumprimenta oficiais durante o desfile do Dia da Vitória na Praça Vermelha em 2024

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Putin cumprimenta oficiais durante o desfile do Dia da Vitória em 2024

A data marca a rendição da Alemanha nazista na 2ª Guerra Mundial e é um dos eventos mais simbólicos do calendário nacional russo.

Mas o que exatamente é o Dia da Vitória? E por que o evento é tão importante para Putin e sua estratégia de governo?

‘Mais do que um feito militar’

Todos os anos, o governo russo organiza uma série de eventos e celebrações para marcar a vitória sobre a Alemanha nazista em 1945.

A rendição incondicional dos alemães entrou em vigor na noite de 8 de maio de 1945, mais precisamente às 23h01 na Europa Ocidental, quando já passava da meia-noite em Moscou.

Por isso, enquanto países como França, Reino Unido e os Estados Unidos celebram o fim da guerra em 8 de maio, a União Soviética passou a comemorar no dia seguinte, 9 de maio.

A data foi celebrada durante o período da URSS, ocasionalmente com a realização de desfiles militares. Em 1995, o então presidente Boris Yeltsin também organizou eventos para a comemoração de 50 anos da vitória militar.

Mas foi só sob o governo de Vladimir Putin, a partir de 2008, que o governo passou a realizar o desfile militar na Praça Vermelha em Moscou de forma anual.

A data passou então a representar mais do que uma simples comemoração histórica, e se tornou um pilar de legitimação política para o Kremlin, além de uma demonstração de força das tropas e equipamentos militares.

Militares russos durante ensaio geral do desfile militar do Dia da Vitória

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Militares russos durante ensaio geral do desfile militar do Dia da Vitória

A transformação liderada por Putin também ampliou o papel da data no imaginário coletivo russo, como foco nos sacrifícios da 2ª Guerra Mundial e na afirmação nacional.

Vinte e sete milhões de cidadãos soviéticos morreram, de longe a maior perda de qualquer país, no que os russos chamam de Grande Guerra Patriótica.

E a ideia reforçada pelo governo até hoje é que a vitória sobre o nazismo não foi apenas um feito militar, mas uma prova da coragem e resiliência do povo.

“O governo russo tem usado o Dia da Vitória como um evento performático, para reforçar a ideia de que a Rússia é uma nação poderosa e que seus sacrifícios históricos a tornam merecedora de respeito no cenário internacional”, afirma Sergey Radchenko, historiador e professor da Johns Hopkins University.

As lembranças em torno da vitória da então União Soviética (URSS) sobre a Alemanha nazista ainda servem como uma forma de legitimar as políticas contemporâneas do Estado russo, diz o historiador.

“O aparato de propaganda do Kremlin promove a ideia de que a Rússia está hoje, novamente, lutando contra o nazismo — desta vez na Ucrânia — e que, como na 2ª Guerra, esse é um conflito patriótico que exige sacrifícios do povo”, explica Radchenko.

Um dos principais argumentos usados por Vladimir Putin para justificar a invasão da Ucrânia é o objetivo de “desnazificar” o país.

A alegação, no entanto, é amplamente contestada por analistas e líderes ocidentais, que apontam, entre outros fatos, que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky é judeu e tem familiares que morreram no Holocausto.

“O Kremlin construiu, nos últimos anos, quase um culto em torno da 2ª Guerra Mundial. A popularização dessa memória tornou-se ainda mais intensa à medida que a geração que viveu o conflito começa a desaparecer”, diz o historiador.

A participação de chefes de Estado estrangeiros, como o presidente Lula neste ano, serve também como uma plataforma para Moscou projetar essa narrativa além das fronteiras russas — e mostrar ao público doméstico que ainda possui aliados no cenário internacional.

“É um exercício de construção de patriotismo e nacionalismo, ainda mais relevante agora, em tempos de guerra”, diz Gulnaz Sharafutdinova, professora na King’s College London.

Em Moscou, mas também em todo o país

O destaque das celebrações do Dia da Vitória fica por conta do desfile na Praça Vermelha, que inclui tanques, mísseis e soldados em formação, diante de milhares de espectadores e câmeras de televisão.

Na celebração de 2024, 9 mil marcharam no evento em Moscou. Mas em anos anteriores — antes da invasão da Ucrânia pela Rússia — os números eram ainda maiores.

No passado, a exibição de equipamentos militares também já foi maior. O único tanque que participou do desfile no ano passado foi um T-34. E a expectativa é que em 2025 a tendência continue, já que muitos dos armamentos estão sendo utilizados no campo de batalha.

Vladimir Putin e Lula apertam as mãos em encontro em 2005

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Legenda da foto, Vladimir Putin e Lula em 2005: presidente russo convidou líderes de países aliados e do Sul Global para acompanharem as celebrações em Moscou

Mas as comemorações também acontecem fora de Moscou, como explica o historiador Sergey Radchenko.

“Cada cidadezinha tem seu mini desfile, com soldados acendendo o que eles chamam de ‘chama eterna'”, diz. “E quanto maior a cidade, maior a celebração.”

Nos últimos anos, a data também tem sido incorporada ao sistema educacional russo, com eventos promovidos em escolas, universidades e instituições culturais.

Livros escolares e livros de história no país focam na Rússia como libertadora da Europa durante a guerra.

“Não é apenas um evento de Moscou, mas usado pelo Estado também nos níveis mais locais para formar o ‘cidadão russo ideal’, patriótico e alinhado com a política externa do Kremlin”, explica Gulnaz Sharafutdinova, diretora do Instituto Rússia da King’s College London.

Também segundo a especialista, para muitos russos, assistir à parada militar no dia 9 de maio continua sendo um ritual anual.

Ainda que o alcance da televisão estatal esteja diminuindo entre os mais jovens, os mais velhos continuam fiéis ao evento.

E é justamente esse público — que vê a vitória de 1945 como um marco de orgulho nacional — que o Kremlin busca atingir com ainda mais intensidade em tempos de incerteza, diz.

Por outro lado, a pesquisadora também vê motivos para que o Kremlin adote um tom mais contido diante da guerra na Ucrânia.

“Mostrar força demais nas ruas, enquanto os resultados no front não correspondem, pode gerar descrença”, alerta a pesquisadora. “As pessoas querem ver progresso real na guerra, não só encenações.”

Fonte: BBC

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