1 mansão, 8 donos: como funciona a multipropriedade de luxo

O desembolso não é exatamente baixo, mas R$ 185 mil por um apartamento de 88 metros quadrados em Campos do Jordão, cidade turística da serra da Mantiqueira, é praticamente uma pechincha. Quem fechar o negócio, porém, não terá exclusividade –será coproprietário com mais sete pessoas e terá direito a 44 diárias no próprio imóvel ao ano.

O desenho do negócio é o da multipropriedade, conhecido no mercado hoteleiro por meio da venda de quartos para vários donos, e que agora chega às residências de luxo.

Nos Estados Unidos, o modelo foi popularizado pela bilionária startup Pacaso, maior inspiração da brasileira MyDoor, que agora tenta tornar o modelo viável no Brasil.

No centro da operação dessas empresas estão os imóveis de veraneio, tradicionalmente subutilizados –são as “segundas casas” em praias, montanhas e regiões rurais premium, como Itu, Campinas e Indaiatuba. Em geral, destinos que não demandam viagens aéreas ou programações antecipadas.

As cotas disponíveis oferecidas atualmente começam em R$ 185 mil, para o apartamento de Campos do Jordão, e chegam a R$ 1,9 milhão, por 1/8 de uma casa de 700 metros quadrados em um condomínio de alto padrão em Itu, o Terras de São José I. Há ainda casas e apartamentos em Riviera de São Lourenço (em Bertioga, no litoral norte) e nas praias de Maresias, Cambury e Baleia, todas em São Sebastião, também no litoral norte de São Paulo.

Para o empresário Marcel Cavalli, 42, dono de 12,5% de uma casa em Cambury, a compra de uma cota –de R$ 399 mil– acabou sendo uma opção mais viável, devido ao investimento menor na comparação da compra de um imóvel sozinho.

Fábio Godinho, fundador da MyDoor, diz que atualmente 100% dos clientes da empresa poderiam bancar a compra integral do imóvel. A maioria dos compradores tem renda mensal acima de R$ 30 mil e filhos de até 15 anos. O tíquete médio está em R$ 700 mil.

A escolha pela fração tem mais a ver com as soluções que o modelo de negócio está entregando. Algo como ter uma casa de férias sem precisar se preocupar com todos os problemas que ela pode dar, de parte elétrica à umidade.

“O cara paga R$ 5 milhões em um imóvel e gasta R$ 15 mil por mês para manter. Queremos tornar o luxo acessível a um valor muito menor.”

Parte importante do apelo do negócio é justamente a gestão dos imóveis. Além de organizar os períodos de uso de cada proprietário, a empresa cuida da manutenção e da hospitalidade –de compras de supermercado a reservas em restaurantes e passeios.

A empresa fica com 4% do valor global dos imóveis para bancar esses serviços, com exceção das compras de supermercados, que são cobradas à parte.

Todos os imóveis na base da MyDoor atualmente estão prontos para uso, com mobília e eletrodomésticos. Para administrar o uso por cada família, há enxovais individuais, por exemplo.

Essa comodidade, para Cavalli, foi outro ponto positivo na aquisição da cota, que permite ao proprietário não se preocupar com a manutenção ou a limpeza. “E o principal é o uso das semanas, que são mais que suficientes”, diz.

Segundo Godinho, os 44 dias anuais a que cada proprietário tem direito correspondem à média de utilização dos imóveis de férias. Se, por qualquer razão, o cotista estourar seus dias por direito, ele pode comprar datas extras pelo custo de uma diária padrão na região.

Por outro lado, o modelo também permite que os dias não utilizados sejam colocados para locação em plataformas de hospedagem como o Airbnb.

A aposta da proptech (como são chamadas as empresas do setor imobiliário que operam por meio de tecnologias) é ocupar também lacunas do mercado secundário, onde ocorrem as negociações de imóveis usados.

As linhas de crédito imobiliário tradicionais privilegiam imóveis novos e primeiras residências. Para quem quer comprar um segundo imóvel, as taxas de juros são altas. Depois, há dificuldade para vender. Um imóvel em Campos do Jordão chega a levar três anos para ser vendido.

A MyDoor tem R$ 200 milhões em caixa para conceder os próprios financiamentos, com juros de 12% ao ano. Os coproprietários podem financiar até 100% do valor das cotas.

Atualmente, a operação de multipropriedade residencial está concentrada em São Paulo, mas Godinho faz planos de expansão. Com experiência no setor de turismo —foi executivo da CVC e da WebJet e esteve à frente da rede de hotéis e resorts GJP até sair para fundar a empresa—, ele vê perspectivas de replicar o modelo em estados do Nordeste, como Bahia, e em Balneário Camboriú (SC).

O timeshare é uma prática em grandes hotéis e resorts pelo menos desde o fim dos anos 1980. Nesse modelo, o cliente compra o direito de usar um determinado número de diárias do hotel, mas não é dono do quarto.

Na multipropriedade, cada dono tem uma matrícula e detém uma fração do imóvel ou empreendimento. Ainda assim, são frações de tíquete médio de R$ 50 mil. Na maioria das operações, cada dono usufrui de 42 dias por ano, em média.

Para Godinho, da MyDoor, uma vantagem da copropriedade residencial é a possibilidade de cada dono definir o uso de seus dias —é possível levar os amigos, por exemplo.

ENTENDA AS DIFERENÇAS DAS MODALIDADES

Multipropriedade

  • É a compra de uma fração de um imóvel
  • Cada fração —ou cota— equivale a uma ou mais semanas de uso ao ano; é possível comprar mais de uma fração
  • Cada cota tem a própria matrícula registrada em cartório e pode ser vendida ou virar herança
  • As semanas de uso podem ser fixas, definidas em contrato, ou rotativas
  • Quando ocorre em hotéis, o cotista pode trocar seu tempo por diárias em resorts do mesmo grupo

Timeshare

  • É a compra antecipada de reservas em hotéis; o valor é convertido em pontos, usados para reservar quartos durante alguns anos
  • O usuário pode doar para outra pessoa as reservas feitas com seus pontos, ou vendê-las em grupos e sites de venda
  • As diárias compradas com pontos costumam ser mais baratas do que o preço pago por outros hóspedes
  • É possível reservar mais de um quarto ao mesmo tempo
  • É preciso fazer suas reservas com antecedência, já que não há datas pré-definidas

Fonte: Folha de S.Paulo

Marcações: