A cidade mora ao lado

Neste último final de semana aconteceu, em São Paulo, o 2º Mundial do Queijo do Brasil. Foi grande a participação de público na feira de produtos, enquanto profissionais realizaram inúmeras atividades paralelas —inclusive a premiação do melhor queijo.

O vencedor, entre 1.200 amostras, foi um Gruyère Reserve suíço, e o segundo colocado foi um brasileiro de São Paulo —o dolce bosco, queijo azul de cabra da Capril do Bosque.

Mas havia também outra atração no evento: o local onde ele ocorreu. Foi no teatro B32, na rica avenida Faria Lima.

Projetado pelo arquiteto Eiji Hayakawa, ele faz parte de um complexo que une um edifício comercial; uma praça desenhada pelo americano Thomas Balsley, sem muros ou cercas, aberta para o público passante e adornada por uma escultura metálica em forma de baleia; e o teatro, suspenso sobre uma área coberta, com o fundo do palco envidraçado que permite que, de dentro do teatro, se aviste a praça e a rua.

Durante a pandemia, e a restrição a viagens, cresceu no mundo o desejo de se apoderar mais da cidade. Edifícios particulares que sejam amistosos com quem vive no entorno ficaram ainda mais importantes.

Esta ideia de convivência não é nova. Em Nova York os edifícios comerciais devem deixar o andar térreo livre para os passantes. E mesmo em São Paulo, o revolucionário Conjunto Nacional já integrava o espaço interno com as ruas circundantes —mas era uma exceção.

O edifício Birman 32, onde está o teatro, fica na avenida que, à época chamada de Nova Faria Lima, representa uma excrescência urbana. Gigantesca, foi construída sobre os escombros de enormes desapropriações, uma oportunidade de ouro de criar uma via com uma visão generosa e contemporânea.

Mas, erguida por Paulo Maluf e asseclas, virou apenas um cofre alimentado pela especulação imobiliária e pela miopia de arquitetos gananciosos.

Tornou-se um paredão de prédios comerciais cafonas e trancados para os passantes, uma região árida onde automóveis se enfurnam como tatus, e não se vê restaurantes, comércio, residências, e muito menos pessoas nas calçadas que ladeiam cercas fortificadas.

É o oposto do que acontece em cidades aprazíveis como Paria, onde bairros mesclam funções dando vida permanente aos ambientes —sobrepondo residências, comércio, restaurantes, garantindo movimento o dia todo.

É o que experiências urbanas —do Estado ou privadas— procuram pelo mundo, mais ainda quando a pandemia nos tornou mais íntimos de onde moramos.

Como mostrou um artigo recente da revista Afar, San Francisco está investindo milhões no parque India Basin Waterfront, numa região pobre da cidade, para preservar o bairro histórico.

Na decadente Detroit, o armazém Spot Lite combina café, galeria de arte e co-work durante o dia, e à noite vira uma agitada danceteria. Em Tainan, Taiwan, um velho shopping virou Tainan Spring, com piscina pública e um parque tropical.

Passando pelo Brasil, onde assina o restaurante do hotel Palácio Tangará, o chef Jean-Georges Vongerichten contou-me de sua última aventura em Nova York: fez do Tin Building, antigo mercado de peixes no Seaport, um complexo de restaurantes com cozinhas abertas, lojas e um mercado.

O Vila Anália fica em São Paulo mesmo, e leva à zona leste, num mesmo edifício, uma combinação de restaurantes, confeitaria, empório, adega —enfim, um ambiente que propicia acolhimento para quem mora na região.

As cidades precisam abraçar seus cidadãos, especialmente os que estão no bairro —e com isto se tornam mais aprazíveis para quem vive ali, e também para quem as visita.

Fonte: Folha de S.Paulo