A picanha foi embora e não volta tão cedo

Uma promessa recorrente do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é a volta da picanha à mesa do povo, o direito ao churrasco com cervejinha para todos os brasileiros.

Eu, que votarei convictamente em Lula, não conto com o retorno triunfal da picanha. Ela saiu pra comprar cigarro e não há sinais de que pretenda reaparecer tão cedo.

A picanha do Lula candidato é uma picanha virtual, um churrasco retórico motivacional, uma palavra de ordem para manter alto o moral das tropas. Faz parte do jogo, só não devemos criar expectativas a partir do mantra.

Nem por isso devemos esmorecer. Vamos às urnas com esperança, mas é bom engrossar a casca. Seja qual for o resultado da eleição, teremos meses dificílimos adiante.

Se Jair Bolsonaro (PL) for reeleito, já sabemos o inferno que virá. Não perderei tempo em descrições, até para não estragar o meu dia.

Na hipótese (mais provável) da eleição de Lula, não teremos o leite e o mel da terra prometida, ali na esquina, em 1º de janeiro de 2023. Muito menos a picanha malpassada a preço de banana.

Metade do Brasil vai dormir coberta de ódio e rancor no próximo domingo. A outra metade, num misto de euforia e medo.

A fratura nas famílias e nos grupos de amigos, que vem de 2018, vai ficar exposta e com pus. Não é improvável que contamine as relações comerciais e de trabalho onde, até agora, manteve-se a política do “não se fala em política”.

Derrotados, os bolsonaristas alucinados seguirão o roteiro de negação, resistência e golpe que Donald Trump tentou emplacar nos Estados Unidos. Lá o motim flopou, vai saber o que nos espera aqui. O episódio Roberto Jefferson foi uma amostra de como as coisas podem vir a degringolar geral.

Ainda que entregue as chaves do Planalto no primeiro dia do ano, Bolsonaro tem dois meses para salgar a terra em que Lula vai pisar. Ainda que não use o mandato restante para sabotar a próxima gestão, ele já fez um estrago cavalar.

Não falo da economia, de que não manjo patavina. Falo de todo o retrocesso nas questões de ambiente, de cultura, de valorização do conhecimento, de tolerância com as diferenças, de civilidade.

A prestidigitação de Bolsonaro, Trump e Bannon induz as pessoas a um transe que as faz acreditar apenas no que os líderes lhes apontam –um alheamento total da realidade, não importa o quão vívida e óbvia.

Bolsonaro, Guedes e seus seguidores estão se lixando para a realidade, a verdade e a coerência. Não enxergam a fome enquanto tropeçam nos famintos. Veem prosperidade e picanha onde há, no máximo, um pão de alho estorricado.

Dizem que ambos os lados precisam dar uma chance ao diálogo. Como conversar com alguém que molda a própria realidade de acordo com a conveniência do discurso? É osso demais.

Remover Bolsonaro do poder é condição fundamental para interromper o surto e começar a cura desta sociedade. Só depois disso dá para pensar em picanha na mesa de todos.

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Fonte: Folha de S.Paulo

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