A tragédia pastelão de Bolsonaro

Assaz esclarecedora a entrevista que Antônio Luiz Macedo, médico de Jair Bolsonaro, concedeu ao jornal O Globo.

O relato do cirurgião revela bastidores da operação emergencial para internar o presidente com um camarão inteiro bloqueando a passagem de um cocô descomunal.

Bolsonaro, que zomba da dor alheia, estava se borrando de medo –apenas metaforicamente– quando telefonou para Macedo e pediu socorro.

“Ele me ligou chorando de dor”, conta o médico. “Falou ‘estou morrendo, Macedo’”. Lamento, presidente, todo mundo morre um dia. Vai ficar chorando até quando?

Incapaz de ensinar Bolsonaro a mastigar o que engole, Macedo o orientou a evitar alimentos que possam entupir as tripas presidenciais. Amendoim, castanha de caju e –muita atenção– carne.

Você consegue imaginar um Bolsonaro vegetariano? O mesmo Bolsonaro que já ostentou uma picanha de R$ 1.799 o quilo?

É o que teríamos para 2022 caso o ogro de Eldorado fosse uma pessoa minimamente sensata. Porque recomendação médica se obedece –ainda mais quando você tem o risco de morrer afogado no próprio suco gástrico se a saída do toroço estiver interditada.

Nesse universo paralelo, Bolsonaro viria a público informar que não participaria mais de procissões de motoqueiros –Macedo pediu para Michelle passar cadeado na moto do marido– e doravante adotaria a dieta prescrita.

Uma dieta sem churrasco, sem picanha, sem carne. Pense na reação do agro, que já subiu nas tamancas com um reclame de banco em exaltação ao consumo moderado de carne.

Se o presidente do desmatamento, do pasto e do gado virar alfacista, a casa vai cair. Adeus apoio de tocador de berrante, de cantor sertanejo, de piloto de trator, de churrasqueiro hipster harleiro reaça.

Bolsonaro evita implodir o último bastião da sua seita ao ignorar as palavras do médico, mas suspeito que não seja isso que o move.

Tudo o que ele sempre fez foi na contramão do razoável, do negociado, do empático, do conciliador, do lógico. Ele não tem amigos e desafetos, tem aliados circunstanciais e inimigos. Ele não sabe construir, só destruir.

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O mais maluco é que a sanha destruidora não poupa a reputação e o próprio corpo físico do presidente. Para mostrar que não é maricas, Bolsonaro ataca a si mesmo.

Ele poderia ter deixado disso, aproveitado a estrutura deixada por governos anteriores e bancado o herói nacional na condução da pandemia, com medidas racionais e borbotões de vacina. Não: preferiu tocar bumbo no seu curral de lunáticos.

Para manter alguma pretensão de prosseguir na política, Bolsonaro deveria cuidar de não morrer. Porém, caminhando em passos decididos para a cova, já avisou que vai se esbaldar no pastel e caldo de cana.

Se um camarão solitário já mandou o homem para o hospital, imagine o estrago de um pastel de 30 centímetros do trevo de Bertioga, engolido sem mastigar.

Fonte: Folha de S.Paulo

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