Ano-Novo causa onda de passageiros com Covid em aviões

Na última segunda (3), as amigas Flávia e Bruna colocaram a máscara, “se entupiram” de álcool em gel e se seguraram para não tocar em nada durante as duas horas e meia de voo entre Salvador e São Paulo. O pão de queijo foi engolido por baixo da 3M num cantinho do aeroporto.

Um dia antes, o exame havia dado positivo, indicando a presença do do novo coronavírus, e a viagem que era para durar 13 dias foi encurtada para 9. A essa altura, as empreendedoras paulistanas de 26 anos, vacinadas com duas doses, já estavam com tosse, dor no corpo e 37°C de febre.

“Não sabíamos o que fazer. Conversa com mãe, médico, avó, pesquisa, volta, não volta, numa pousada minúscula, na ‘noia’ de infectar outras pessoas. Cada um falava uma coisa, foi um caos”, diz Flávia —os nomes de todos os entrevistados foram trocados a pedido deles.

Elas não foram as únicas. O Réveillon causou uma onda de passageiros com sintomas e testes positivos para Covid-19 viajando de avião para fazer a quarentena em casa, sem dinheiro para estender a hospedagem ou com medo de ficar doente num local desconhecido ou sem estrutura.

O país passa por uma alta dos casos depois das festas de final de ano, impulsionada pela variante ômicron. Entre as companhias aéreas brasileiras, a Azul e a Gol confirmaram um aumento das contaminações entre funcionários (a Latam não respondeu), sendo que a primeira já cancelou voos por dispensa médica de tripulantes.

As empresas dizem que estão seguindo os protocolos para evitar a transmissão. A Azul destaca medidas de distanciamento no check-in, embarque e desembarque, a Gol ressalta que passageiros com Covid podem cancelar ou remarcar a viagem sem custos, e a Latam afirma oferecer a remarcação sem multa, mas com a diferença tarifária.

O país não exige exames nem comprovantes de vacinação para voos domésticos, apenas para internacionais. Quem vem de outro país deve fazer o teste antígeno até 24 horas antes de embarcar ou o PCR até 72 horas antes.

Especialistas apontam que o risco de se infectar em aeronaves é muito baixo se comparado a outros locais fechados, porque elas possuem um sistema que renova o ar a cada poucos minutos. O mais recomendado, porém, é que o viajante cumpra os dez dias de isolamento antes de voar.

No caso de Flávia e Bruna, o baixo risco e o desconforto de estar doente longe de casa pesaram na decisão de voltar para São Paulo. Incluindo elas, 5 dos 9 jovens que passaram o Ano-Novo juntos na praia de Moreré, na ilha de Boipeba (BA), testaram positivo durante ou depois da viagem.

Já para o designer Gabriel, 30, o bolso foi o fator determinante para manter a passagem do Rio de Janeiro para Florianópolis, onde mora. A leve dor de garganta que sentiu na ressaca do Réveillon evoluiu para fraqueza, tontura e febre na última segunda-feira, quando testou positivo.

“Meu namorado, que é médico e mora no Rio, falou que não era uma boa ideia voltar assim, até para ele poder cuidar de mim, mas a família dele está ficando no quarto dele e não tinha condições de pegar uma hospedagem. Estava R$ 500 a diária quando procurei”, diz ele, com a voz ainda rouca.

Segundo o infectologista Eduardo Medeiros, professor da Unifesp, também é importante ponderar se a cidade onde o doente está tem estrutura em caso de agravamento da doença. “Se for uma capital, um local com recurso, permanece lá. Agora, se está indo para um local sem assistência nenhuma, é prudente voltar para casa”, afirma.

O casal carioca Bianca e Rodrigo, de 32 anos, ainda não se decidiu. Os dois engenheiros estão há quatro dias isolados em um quarto de hotel na praia de Barra Grande, em Cajueiro da Praia (PI), cidade de 7.700 habitantes a 480 km da capital Teresina e onde não há nem testagem para Covid.

Ambos começaram a sentir os sintomas durante o Ano-Novo com 14 amigos no vilarejo de Atins, nos Lençóis Maranhenses. Todos voltaram no dia 2 para o Rio de Janeiro, onde seis deles tiveram o resultado positivo para Covid.

“Nossa passagem está marcada para sexta [7], mas não sabemos ainda o que fazer. Quando o pessoal deu positivo, até consideramos adiantar, porque aqui é longe de qualquer hospital. Nem dormi direito, fiquei nervosa, preocupada. Mas decidimos ficar”, conta Bianca.

A dificuldade de saber o exato dia do início dos sintomas, com as consequências dos vários dias de festa e bebida no final de ano, também é um dos empecilhos relatados por jovens para tomar a decisão de viajar. “Tá uma mistura. Você vai tomando remédio para curtir a viagem e vai mascarando os sinais”, diz ela.

A rotina do casal tem sido de incontáveis filmes, além de refeições entregues na porta e feitas na varanda do quarto. A camareira entrou uma vez para limpar, enquanto eles ficavam na área externa de máscara, mas eles optaram por não avisar o hotel por não terem a confirmação do teste.

É o segundo ano em que a Covid estraga o Réveillon de Bianca, mesmo tendo agora as três doses da vacina. A virada de 2021 teve que ser cancelada depois que ela se infectou no Natal. “É frustrante, porque planejamos tudo. É a primeira vez que viajamos juntos e não estamos curtindo”, diz ela, com dor de cabeça.

Fonte: Folha de S.Paulo