Bal Harbour é bolha para quem quer Miami com luxo, mas sem ‘bagaceira’

É curioso que a mesma ilha ligue a muvuca de South Beach, com seus mojitos aguados e o reggaeton torando na praia, ao sossego chique de Bal Harbour, tomado por porsches conversíveis e areia branquinha, onde um bangalô pode ser alugado por US$ 800 ao dia.

Não fossem o onipresente espanhol a se ouvir nas ruas e o sol a mais de 30ºC, não saberíamos que estamos em Miami, a capital da extravagância na América, que tanto fez Gianni Versace e Romero Britto se sentirem em casa.

É verdade que a cidade na Flórida já vem passando por uma recauchutagem nos últimos 20 anos, impulsionada pela chegada do braço americano da feira Art Basel, que deu um toque mais cult a um lugar antes mais conhecido por aqui como a meca dos sacoleiros, sobretudo nos tempos de bonança cambial.

E Bal Harbour, o seu enclave de luxo, tem sido outra chave essencial nesse processo —é uma bolha para quem quer o badalo de Miami sem precisar sucumbir à sua faceta escancaradamente bagaceira.

A Covid aprofundou a mudança de perfil. Enquanto o país fechava as portas no auge da pandemia, a Flórida, mais permissiva, atraiu endinheirados da Califórnia e de metrópoles como Nova York e Chicago, fugindo das restrições de deslocamento.

Até o então governador paulista João Doria, que tem um apartamento em Bal Harbour, foi para lá aproveitar o Natal de 2020 —mas voltou a São Paulo rapidamente após receber várias críticas.

Os brasileiros, inclusive, encabeçam a lista de turistas estrangeiros nesse vilarejo peninsular de pouco mais de 1,5 quilômetro de extensão, espremido entre o Atlântico e a baía de Biscayne, e delimitado por dois hotéis superluxuosos.

Numa ponta fica o St. Regis, com seu hall de espelhos que emulam os diamantes da aristocrática família Astor, fundadora da marca; e, na outra, o Ritz-Carlton, que abriga obras de arte avaliadas em mais de US$ 3,5 milhões.

A praia ali não é particular, mas a geografia do lugar a torna exclusiva a hóspedes e moradores. O único estacionamento para quem é de fora vai virar um parque, o que tornará o lugar ainda mais privativo.

A joia da coroa é o Bal Harbour Shops, centro comercial a céu aberto e um dos shoppings que mais faturam no mundo inteiro. Foi inaugurado em 1965, numa zona pantanosa que serviu de campo de prisioneiros na Segunda Guerra e hoje enfileira boutiques de Chanel, Saint Laurent, Armani, Gucci, Prada, Balanciaga.

A britânica Burberry, que está reformulando sua identidade visual, acaba de abrir uma nova loja por lá, e o joalheiro brasileiro Ara Vartanian aguarda a ampliação, prometida para acabar nos próximos anos, para fincar seu espaço naqueles corredores cheios de plantas e cortados por um laguinho de carpas e tartarugas.

Qualquer semelhança entre o seu projeto arquitetônico e o do Cidade Jardim não é mera coincidência, já que o shopping paulistano é uma cópia descarada dele.

Tanto é que quando o Makoto, de culinária japonesa fusion, abriu seu primeiro braço brasileiro, logo escolheu o centro de compras da marginal Pinheiros, bem ao estilo daquele onde ele está situado em Miami.

Mas ele não é o melhor dos restaurantes estrelados do Bal Harbour Shops. Le Zoo é uma brasserie francesa que oferece uma generosa tábua de frutos do mar a US$ 300 e foie gras maçaricado por US$ 26.

O Hillstone serve comida americana contemporânea, como a costela grelhada na lenha por US$ 47, e drinques no balcão de madeira.

Ainda assim, se é para falar de etílicos, a melhor pedida é o bar do hotel St. Regis, do outro lado da avenida, único local com música ao vivo no vilarejo. O Imperial Paradise é uma gim-tônica com flor de toranja que sai por US$ 23.

Ao cair da noite, o lugar sedia a tradicional cerimônia do “sabrage” de champanhe —o ato de abrir a garrafa com um sabre curvo e brindar o fim do dia, assim como a família Astor fazia nos coquetéis requintados da unidade nova-iorquina da cadeia de hotéis, no começo do século passado.

O St. Regis Bal Harbour tem todos os seus 216 quartos com vista desimpedida para o mar azul-caribe, que pode ser plenamente desfrutada de seus amplos terraços. No subsolo, o spa traz um cardápio de massagens relaxantes (por US$ 349) e tratamentos faciais (o Blue Diamond, que promete rejuvenescimento da pele, custa US$ 469).

No térreo, à beira de uma das duas piscinas do hotel, o restaurante Atlantikós oferece um bufê com inspiração grega.

No já citado Ritz Carlton, na outra ponta da praia, elevadores privativos conduzem os hóspedes a seus quartos com tanta discrição que ele se tornou queridinho de influenciadores e celebridades. Não é para menos —suas banheiras com vista para a praia são mais do que instagramáveis.

No térreo, um espaço com três salões costuma sediar casamentos suntuosos —o último, de um casal indiano, durou dias e virou assunto local.

Nem tudo precisa ser opulência. Quem se hospeda em Bal Harbour ganha um cartão vitalício que dá acesso gratuito a mais de dez instituições artísticas, a uma ponte de distância, no continente, como o Museu de Arte Contemporânea de Miami e o Museu Frost, hit entre as crianças graças a seu aquário e seu planetário.

Dentro do pacote também está a Coleção de La Cruz, com vasto acervo da produção plástica contemporânea.

O lugar guarda uma considerável amostra dos trabalhos de Félix González-Torres, artista cubano cuja obra foi atravessada pelo peso do luto e pelo espectro da Aids. Uma de suas instalações é uma pilha de balinhas que, no conjunto, pesam o equivalente ao que pesava o pai dele, morto anos antes —uma prova de que a vida nem sempre é assim tão açucarada quanto na ilha do outro lado da baía.


Onde ficar

St. Regis Bal Harbour
Seus 216 quartos são voltados para a praia. Abriga também spa, bar e restaurante. As diárias custam a partir de US$ 1.329. Também aluga as suas villas à beira da areia de forma avulsa por US$ 800 ao dia, salvo entre outubro e abril, quando são privativas dos hóspedes. Instagram @stregisbalharbour.

Ritz-Carlton Bal Harbour
Rodeado de obras de arte e situado na ponta da praia, traz elevadores privativos e é muito procurado para sediar casamentos. Diárias a partir de US$ 999. Instagram @ritzcarltonbalharbour.

Sea View Hotel 
Uma opção de estadia menos salgada é o pioneiro local, erguido nos anos 1940, com sua piscina em estilo art déco que parece cenário das estripulias aquáticas de Esther Williams. Suas diárias custam a partir de US$ 300. Instagram @seaviewbalharbour.

Beach Haus 
Tem mais cara de apart hotel, ideal para quem quer estadias mais longas e fugir do clima de resort. Em breve inaugura um novo prédio de apartamentos. Diárias custam a partir de US$ 400. Instagram @beachhaus.rentals.

Fonte: Folha de S.Paulo