Blocos afros desfilam beleza e resistência no Carnaval de Salvador

A volta do Carnaval depois de um longo período de pandemia tem causado euforia e o encontro com uma alegria única desse período do ano. E se o tema é singularidade podemos afirmar com certeza que os blocos afros de Salvador produzem um espetáculo à parte.

Desde 1974 quando surgiu o Ilê Aiyê para contrapor os blocos que não aceitavam pessoas negras, o Carnaval da capital baiana ganhou um tempero único: tambores, exaltação da negritude, balé e muita resistência para continuar ano após ano saindo nos circuitos.

Isso porque não são eles que ganham as maiores verbas e mídia durante a folia, mas são os blocos afros que “dão régua e compasso” para todos os artistas que participam da festa, como bem pontuou a cantora Larissa Luz, que assumiu o Bloco Mascarados e desfilou nesta quinta-feira (16) no Circuito Barra-Ondina.

Sexta-feira é o dia do Olodum marcar a sua saída pelo Pelourinho, levando arte, cores e tambores para as ladeiras que costumam tremer com o seu som. Não há quem não se emocione com o espetáculo de imagem, som e ancestralidade, que este ano tem como tema “Tambores, a batida do coração, caminhos da ancestralidade”.

O som envolvente de samba-reggae, que é acompanhado de letras que são aulas de história, conquistou o coração de artistas mundo afora. O legado do bloco transborda as ladeiras da cidade. João Jorge Rodrigues, fundador do Olodum e presidente do bloco por mais de 40 anos, acaba de assumir a presidência da Fundação Palmares, a convite da ministra da Cultura e cantora Margareth Menezes, sua conterrânea.

No sábado é a vez do Ilê Aiyê coroar sua Deusa do Ébano com turbante e realizar a soltura de pombas e o banho de pipoca, marcando um ritual que pede licença para começar o Carnaval. Mesmo sem dar o apoio devido, os mandatários dos governos municipal e estadual costumam marcar presença no evento.

Pelas ruas do Curuzu o bloco vai mostrando porque é o mais belo dos belos, entoando músicas que falam de beleza e potência negra. Neste ano, o tema do bloco é Agostinho Neto, médico que foi presidente de Angola e ajudou no processo de independência do país de Portugal.

Já no domingo o bloco Filhos de Gandhy começa seu percurso oferecendo padê (comida) para Exu, orixá da comunicação e dos caminhos que é considerado o dono da festa.

O Cortejo Afro, por sua vez, desfila por vários dias nos principais circuitos de Carnaval da cidade levando sua elegância sofisticada, com roupas que são verdadeiras obras de arte feitas pelo presidente do bloco, Alberto Pitta, que recentemente lançou o livro ‘Histórias Contadas em Tecidos – O Carnaval Negro Baiano’.

Mas se nem esses blocos mais conhecidos tem apoio governamental ou de empresas, mesmo diante da grandeza dos espetáculos que oferecem, quem dirá os demais.

Blocos como Bankoma, Didá e Malê de Balé, entre outros, fazem festas lindas longe dos holofotes das TVs e dos turistas desavisados. Eles realizam desfiles imperdíveis e são o grande diferencial e tesouro do Carnaval da cidade.

Para as comunidades das quais fazem parte, os blocos são mais do que festa. São entidades sociais que atuam durante o ano todo realizando diversas atividades. Nas ruas, despertam paixões, geram identidade e contagiam seguidores fiéis.

Ver o povo preto que sofre com racismo e desigualdades o ano todo podendo ser reis e rainhas, com uma felicidade genuína como só o Carnaval e os blocos afros permitem, é a expressão máxima do espírito dessa cidade chamada Salvador.

Que todas as pessoas possam conhecer esse carnaval negro da capital mais preta do país.

Fonte: Folha de S.Paulo