Boipeba, ainda roots, resiste contra resort em praia isolada

A grande extensão de praia, rodeada por povoados, sem carros e com muita natureza e tradições de povos nativos fazem da Ilha de Boipeba, na Bahia, um cenário único. O aparente equilíbrio entre a presença humana e as belezas naturais está ameaçado pela construção de um resort em uma das praias mais bonitas e isoladas: a Ponta de Castelhanos.

No último 7 de março, o Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos), órgão do governo da Bahia de preservação do meio ambiente, autorizou a implantação de um empreendimento milionário chamado Mangaba cultivo de coco, que teria entre os sócios José Roberto Marinho (herdeiro do Grupo Globo) e Armínio Fraga (presidente do Banco Central no governo de FHC). O loteamento de luxo fica em uma área preservada de Mata Atlântica que pertence à União.

A portaria 28.063 autoriza o projeto imobiliário que conta com 69 lotes, 25 casas, duas pousadas de 25 quartos, aeroporto, grande estrutura náutica e um campo de golfe que substituirá dezenas de Mangabeiras, árvores frutíferas típicas da região. O empreendimento pode ocupar uma área equivalente a 1.700 campos de futebol, correspondendo a cerca de 20% do território da ilha.

A autorização gerou uma movimentação entre os moradores de Boipeba, contrários à construção, que lançaram um abaixo-assinado e fizeram um perfil no Instagram para dar visibilidade ao caso. De acordo com o movimento, “os danos causados seriam irreparáveis para o ecossistema do local, indo na contramão do turismo ecológico e sustentável”.

Além dos impactos ambientais, o empreendimento ainda traz riscos à pesca artesanal, a pequena agricultura e o extrativismo, atividades que ajudam a manter a identidade coletiva e o modo de vida dos moradores locais.

De acordo com o documento divulgado pelos moradores, a implementação do projeto funcionaria também como agravante de racismo ambiental, uma vez que os impactos negativos não seriam sentidos por quem chega de helicóptero na ilha, mas pela população historicamente marginalizada e invisibilizada, em sua maioria, negra.

O embate vem desde 2012 quando a ideia do empreendimento veio à público. Em 2019, o MPF (Ministério Público Federal) afirmou nas recomendações 01 e 02/2019 do processo 1.14.001.000322/2014-10, que “não existe fundamento legal para o Inema realizar o licenciamento ambiental de um empreendimento sem a concordância do proprietário do imóvel em que será instalado, especialmente em se tratando de imóvel da União, insuscetível de usucapião ou desapropriação”.

A postura dos órgãos como o Ministério Público será fundamental para sabermos se haverá ou não a continuidade do empreendimento. E a pressão popular já chama por audiências públicas para debater o assunto.

Turismo

O turismo é um carro chefe da economia da ilha, oferecendo o tradicional passeio volta à ilha, recebendo turistas da vizinha Morro de São Paulo, que é mais badalada e fica na mesma península, e que passam o dia na “prima” mais calma. Há ainda opções como a Caminhada Boipeba Roots, da Quase Nativa, que oferecem a possibilidade justamente de conhecer o interior da ilha por meio de moradores-referência da localidade e locais importantes como a Casa de Farinha.

Sem grandes resorts ou construções que ameacem sua tranquilidade, Boipeba foi se mantendo intocada ao longo dos anos muito por não ser tão fácil de chegar de Salvador, por exemplo, de onde o viajante vai precisar atravessar o ferry boat, pegar estrada e depois um barco.

Toda a extensão da ilha é área de preservação nacional e os moradores são considerados povos tradicionais. Há ainda a comunidade quilombola de Monte Alegre, que mantem antigos costumes da pesca e mariscagem e realiza festas de cultura popular.

A vibe da ilha atrai diferentes públicos: frequentadores de festas de réveillon de música eletrônica, passando por famílias, mochileiros e, desde o início da pandemia, os nômades digitais, que passam a viver períodos por lá. Um lugar com praias paradisíacas, marcado pela maré, que sobe e desce; pelo sol que sempre marca presença e pelas estrelas e lua, sempre brilhante e guiando caminhos.

Que Boipeba se mantenha na sua originalidade e que nenhum empreendimento ameace suas tradições e beleza. A grande força e o diferencial da ilha são, justamente, seus moradores nativos. Que as próximas gerações possam apreciar sua beleza, sem destruí-la ou descaracterizá-la.

Fonte: Folha de S.Paulo

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