Brasil, reconvexo

“Sereno de amor, sereno de amar, por causa da morena vou morrer, vou me acabar, ô, serená… Meu amor é um menino tocador de violão, quem ‘tiver’ pensando nele descansa o seu coração, ô, serená… “.

As Rendeiras da Aldeia cantam suas cantigas num pátio em Tiradentes, Minas Gerais. Elas vêm de muitos cantos do Brasil, mas, na Aldeia Jesuítica de Carapicuíba (SP), elas se encontram e juntam canto e ofício numa sinestesia de sons e imagens, nos convidando a passear por esse Brasil que domingo vai escolher ser mais feliz.

No embalo desses versos serenos, eu, ali, sentado na grama, parto revisitando o que conheço: um país de gente linda e diversa, corajosa e de fé, carinhosa e do bem.

Reconvexo, afirmo, dobrando, inspirado em Caetano, a aposta de que nos contemos numa esfera da união. Viajo então para outros cantos iluminados do nosso Brasil, e danço mil cirandas.

Com o pescador de ostras de Galinho, no Rio Grande do Norte. Com uma família farinheira em Barreirinhas, no Maranhão. Com um estagiário comemorando o primeiro trabalho que conseguiu com seu diploma em Sinop, em Mato Grosso. Com as mulheres que preparam um café da manhã em Burarama, no Espírito Santo.

Conheço cada canto desses. Dei um abraço em cada uma dessas pessoas. E senti nelas o calor de ser aquilo que, por quatro anos, não nos deixaram ser: um povo amoroso. Colhi provas disso em todo lugar.

Numa noite de autógrafos em Rio Branco, no Acre. Pintando meus braços e meu rosto com os karajá-javaés em Tocantins. Num raiar do sol da Praia do Rosa, em Santa Catarina. Num barco-museu no São Francisco, indeciso se aportava em Alagoas ou Sergipe.

Sei dessa gente receptiva que sabe que somos maiores do que as mentiras que ouvimos desde janeiro de 2019. Uma gente que inventa, dança, corre solta e se beija.

E, nessa viagem, sigo pegando na mão da imagem de Irmã Dulce em Salvador. Deito no colo da Vó Nescy no Lar Luz e Amor em Bonsucesso, no Rio de Janeiro. Abraço o tocador de sanshin que, em Dourados (MS), aprendeu música com seu avô que veio de Okinawa, no Japão. Sento-me aos pés das baianas abençoando quem chega em Imbassaí (BA).

É este Brasil que vota 13 e escolhe o presidente neste domingo. E se reafirma como um lugar de entendimento. Este Brasil feito de pessoas que querem trocar, nunca se isolar.

Que ouve o sussurro de Fernanda Takai em Beagá. A voz de Dona Onete no Pará. O refrão do Jovem Dionísio em Curitiba. Os filhos e netos musicais de Adoniran em São Paulo. O grito de Johnny Hooker no Recife. Margareth Menezes chamando o faraó na Bahia. A rima do mineiro Djonga e a batida da carioca Anitta pelo Brasil.

Não somos divisão. Somos juntos brasileiros explodindo de alegria e imaginação. É isso que recebo quando chego a qualquer destino, com uma intimidade que quase desafia meu título de turista.

É assim pelos vinhedos gaúchos, pelas cachoeiras de Goiás, pelas areias do Ceará, pela vastidão do Amapá. É assim que piso na grama de Trancoso (BA), na terra de Amambai (MS), no asfalto de Brasília, nas águas rasas do Delta do Parnaíba (PI), nas pedras de Paraty (RJ).

Conheço cada canto desse meu país e por isso acredito —acredito, não, sei que merecemos mais. Somos filhos de toda essa luz que banha nosso território, de todos os ventos que sopram nossas praias, de toda a chuva que rega o que aqui nasce.

E vamos voltar a celebrar tudo isso, de norte a sul, de leste a oeste, da montanha ao mar. A partir deste domingo. Nós todos sabemos que nosso destino é amar. E quem pode nos fazer chegar lá é um homem chamado Lula.

“Ô, serená…”.

Fonte: Folha de S.Paulo

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