Brasileiros na Flórida sentem impacto econômico da pandemia e se dividem sobre Trump

Não são apenas os números crescentes de casos de coronavírus que pesam na rotina dos brasileiros que vivem na Flórida, no sul dos Estados Unidos. O estado ultrapassou os 323 mil casos nesta sexta-feira (17), com quase 20 mil hospitalizações, segundo dados do departamento de Saúde local.

Além da crise sanitária, outros efeitos da pandemia preocupam, e o econômico é o maior deles. “A gente tem turista de todo o mundo, mas os brasileiros eram os principais, pois são os que mais gastam”, conta Andreia Casadia, que vive em Orlando desde 2014 e é dona da rede de lojas The Toy Company.

Com apenas quatro das nove unidades abertas, e somente aos finais de semana, a empresa viu o faturamento médio cair mais de 70%. Casadia diz abrir as lojas apenas para manter os funcionários.

Richard Harary, há 25 anos nos EUA, também sofreu o impacto da Covid-19 nos negócios. Presidente do grupo Marco Corporation, o executivo teve de demitir mais de 60 pessoas desde o início da pandemia.

Em abril, um de seus principais negócios, a MacroBaby, obteve até 60% a mais de lucro com vendas online em relação à média mensal antes da pandemia, mas fatura hoje 50% a menos do que a média dos primeiros meses do ano na loja física, que manteve aberta durante a quarentena.

Para o empresário, a gestão estadual administrou bem a crise, mas a esfera liderada por Donald Trump deixou a desejar, já que não conseguiu obter o empréstimo do governo federal para a manutenção dos negócios. “Assim como no Brasil”, diz ele, “firmas de pequeno e médio porte foram abandonadas”.

Harary também critica a decisão da Casa Branca, tomada em 24 de maio, de bloquear a entrada de pessoas vindas do Brasil, o que prejudica diretamente o turismo no estado. Em 2018, a indústria desse setor gerou, no total, US$ 91,3 bilhões (R$ 491,3 bilhões) à economia local.

O brasileiro, um dos 80 mil que vivem na Flórida, segundo dados do Migration Policy Institute, defende que a realização de testes rápidos em aeroportos seria uma solução para a volta dos turistas.

As críticas ao presidente americano sobre a ajuda às empresas, porém, não valem para o discurso em favor de maior velocidade para a reabertura da economia.

“A Flórida não deveria se manter fechada. Se não tem vacina no curto prazo, a gente só estica o problema. É surreal o número de empresas fechando. Temos de aprender a viver com a situação que temos hoje.”

À frente do Tropical Villas, empresa de gerenciamento e locação de casas em Orlando, o empresário Carlson Lisboa sentiu o vazio da falta de turistas. Nos primeiros meses do ano, ostentava 100% de ocupação das 90 casas que administra. Em abril, viu o índice zerar.

Após a reabertura, em junho, conseguiu levar a ocupação a 89%, mas apenas com diminuição dos preços que cobra. Apesar de ter recebido auxílio do governo, Lisboa diz que o montante não foi suficiente.

“Recebi um quinto do que solicitei. O valor deveria sustentar o negócio por oito semanas, mas acabou em quatro só com o pagamento de funcionários”, diz. Assim como o administrador da MacroBaby, ele avalia como falha a atuação federal para as empresas. “Se eu não tivesse fluxo de caixa, teria quebrado.”

Casadia, da Toy Company, teve mais sorte, uma vez que contou com o auxílio do governo federal. Ela aprova o desempenho do presidente americano.

“Se fosse no Brasil, eu teria fechado e não teria reaberto. A única coisa igual entre Trump e [Jair] Bolsonaro é que os dois são impetuosos, falam sem pensar”, afirma ela. “Trump foi empresário a vida inteira. Herdou um império do pai e o triplicou. Aqui a economia gira.”

Genilde Guerra, sócia do escritório de advocacia Kravitz & Guerra e moradora de Miami há 36 anos, vai na mesma linha. Se no início do mandato achava Trump “ridículo”, hoje ela diz que é “mil vezes Trump”.

A mudança de opinião se deu porque, afirma ela, o republicano não é político. A brasileira também aprova a maneira como o presidente americano vem se comunicando durante a pandemia.

Ao traçar uma comparação entre os governantes de EUA e Brasil, a advogada diz que esperava mais de Jair Bolsonaro, porque “a pandemia virou um problema político”.

“Bolsonaro é muito bonzinho, muito democrata e aceita a divisão de poderes. Ele deveria ser muito mais ditatorial, se ele pudesse, se tivesse a personalidade. Deveria reagir um pouco mais. O Exército deveria reagir muito mais.”

Apesar de lidar com casos de imigração, a advogada afirma não crer que a pandemia será um obstáculo para os negócios. “O visto de investidor não está suspenso, tudo só ficou mais lento. Meus clientes se reprogramaram, e todo mundo está muito consciente.”

Harary, da MacroBaby, também se mostra desapontado com o desempenho de Bolsonaro, mas devido a outro aspecto. Diz ter se decepcionado “na parte da doença, como ser humano”.

“Antigamente achava que ele podia fazer a diferença. Mas acho lamentável a posição de não levar a doença a sério. Ele é um líder, deveria dar um exemplo. Tive vergonha”, afirma o empresário, que esteve com o presidente brasileiro em Miami, no mês de março.

Dias após o início da segunda fase de reabertura econômica, em meados de junho, o número de pessoas infectadas por coronavírus na Flórida voltou a subir. O recorde atual é de 15.300 casos em um dia, registrado no último domingo (12), confirmando o estado como novo epicentro da doença nos EUA.

Na quinta-feira (16), o país registrou o maior número de infecções diárias desde o início da pandemia em todo o território: 75.671, segundo levantamento do New York Times. A cifra espanta não apenas por si só, mas pelo salto que representa. No dia anterior, eram 67.308.

São diversos os motivos apontados para a explosão dos números, entre eles o aumento do número de testes, a reabertura de atividades não essenciais e o comportamento da população.

Atualmente, os dados do departamento de Saúde da Flórida revelam que 11,2% dos que realizam exames de detecção da Covid-19 recebem o diagnóstico da doença. O índice pula para 16,3% quando considerado apenas o condado de Miami-Dade, onde ficam as badaladas cidades de Miami e Miami Beach.

Casadia associa parte da culpa à população jovem, observação que encontra base em dados, uma vez que a maior parte dos casos no estado está na faixa entre 24 e 35 anos.

A publicitária Gabriela Mascarenhas, 25, concorda. “Assim que as coisas começaram a afrouxar, frequentei praias, parques, fui a casas de colegas. Até que uma amiga apresentou sintomas e ficou muito mal. E mais cinco pessoas do mesmo grupo também. Foi um choque de realidade”, conta a moradora de Miami.

Um pequeno recuo na reabertura foi dado na semana passada, quando o prefeito do condado de Miami-Dade suspendeu os restaurantes de receberem clientes para consumo em espaços fechados.

Mesmo atuando no ramo do turismo, Lisboa, que gerencia casas em Orlando, defende uma revisão da retomada. Para ele, as pessoas não estão mais indo ao mercado por necessidade e saem de casa sem saber o que vão comprar.

Diretora de uma multinacional com sede em Miami, Luciana Banci corrobora a visão do empresário. Além de notar que as pessoas não usam máscaras nem respeitam o distanciamento social, ela vê a reabertura sem controle. “Os governos deveriam estabelecer regras mais claras e fiscalizar a aplicação.”

Grace Oliveira, que trabalha como garçonete na cidade de Pembroke Pines, ficou três meses parada e voltou a atuar apenas três vezes por semana, vê com bons olhos até mesmo um “lockdown”. “Não sei até que ponto é bom estar aberto, pois muitas pessoas não respeitam o que tem que ser feito.”

Fonte: Folha de S.Paulo