Jair estava jururu no fim de ano.
– Tô triste pra chuchu.
Jair perdeu o emprego para seu pior inimigo, o Luiz. Pior: se enrolou com a Justiça e está com medo de ir para a cadeia.
– Tudo culpa do Xandão.
Jair pôs na cabeça que tudo ia se ajeitar se ele fosse morar nos Estados Unidos. Lá ele tinha um grande amigo, o Donald.
– I love you, Donald.
Mas o amor não era recíproco.
– Fuck off, stupid bastard.
A vida nos esteites não estava nada fácil para Jair. Não tinha cercadinho. Ninguém para puxar o saco do Jair. Ninguém queria falar com ele.
– Eduardo, cadê a Michele?
– Tá no shopping, pai.
– Me chama o Ronaldo, então.
– Que Ronaldo?
– Ronaldo Santos, o governador daqui.
– Pai, o Ron DeSantis te bloqueou no zap. Vou ver se o Constantino pode vir jogar buraco com você.
– Também não exagera, tá ok? Deixa pra lá.
A falta de comida caseira aprofundava a tristeza do Jair.
– Aqui não tem farofa. Não tem pastel. Não tem caldo de cana. O molho da pizza é doce.
Para complicar ainda mais, o idioma era uma barreira intransponível. Jair não entendia patavina de inglês. Falar, só decorou o “I love you” para o ingrato Donald.
Solto nos Estados Unidos, Jair não conseguia comprar um picolé sozinho.
Os filhos prepararam uma lista para o Jair consultar quando quisesse comer na rua. Os nomes em inglês dos alimentos mais básicos: pão, chocolate, queijo, batata, frango.
Mandaram tudo numa mensagem de zap para o pai.
Certa manhã, Jair sentiu fome e arriscou pedir algo numa lanchonete.
Olhou o celular para ver como cumprimentava a garçonete.
– Gúdi mórnin.
– Good morning. Are you ready to order?
Jair olho de novo a listinha.
– Bread with condensed milk, is ok?
– Excuse me?
– Pão com leite condensado, porra!
A atendente não entendeu nada. Ela se afastou, assustada, quando Jair teve um ataque de fúria e começou a esmurrar a mesa.
Chegando de volta em casa, Jair bateu a porta com irritação.
– Tá tudo bem, pai?
– Dudu, me faz um favor. Vai lá fritar um hambúrguer e vê se deixa de me encher o saco.
A vida de um fugitivo no estrangeiro não é little cake.
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Fonte: Folha de S.Paulo