Se você está planejando jantar fora em Buenos Aires, na Argentina, prepare-se para uma experiência incomum: filas.
Agora que a cidade está voltando à vida, parece haver um clima de celebração nas ruas, como que num antídoto para os efeitos colaterais duradouros da Covid. As mesas ao ar livre vivem lotadas. Moradores locais, que nunca fariam fila para um jantar antes da pandemia, agora estão dispostos a esperar para experimentar os pratos que uma nova geração de chefes de cozinha está cozinhando.
“Há uma mentalidade de não saber o que vai acontecer amanhã, e por isso o melhor é aproveitar a vida agora”, disse Julio Baez, 37, que abriu seu restaurante, o Julia, com 22 lugares, em 2019, no bairro de Villa Crespo. A inflação torna difícil para os argentinos viajar ao exterior, agora, ele explicou, e por isso eles estão gastando seu dinheiro em boa refeições e noitadas divertidas.
Como muitos dos chefs jovens da cidade, Baez está promovendo os ingredientes argentinos, pela qualidade e sustentabilidade. “A terra é muito fértil na Argentina”, ele disse. “Queremos mostrar isso.”
No Julia e no seu mais recente restaurante, chamado Franca, também em Villa Crespo, Baez compra frutas e legumes de pequenos produtores de toda a Argentina, e os combina a sabores mundiais para criar um desfile de pratos originais.
No vizinho bairro de Chacarita, Lis Ra, 33, reimagina os sabores de sua juventude no Na Num, um restaurante de culinária coreana fusion com 34 lugares, inaugurado em julho de 2020 no antigo local de uma farmácia. “Quando eu era criança, meus pais sempre misturavam comida coreana e argentina, e por isso essa combinação de sabores vem naturalmente para mim”, ela disse.
Para produzir suas massas e molhos fermentados, ela usa ingredientes como flocos de “chile” picante, gengibre, alho e molho de soja, para temperar produtos frescos argentinos, mariscos, carnes e queijos. “Adoro criar camadas de sabores e texturas”, disse Ra.
Um grande sucesso entre os veganos é uma receita inspirada pelo “humitas” –um pudim de milho do norte da Argentina– servido em forma de “crème brûlée” feito com leite de amêndoa, e coberto com kimchi salgado e picles de “daikon”. Um dos favoritos pessoais da chefe é o ceviche de mexilhão preparado com um caldo à base de kimchi, granola crocante de trigo sarraceno, sementes de romã, algas tostadas, óleo de gengibre e coentro. “Tem muitas camadas”, disse Ra.
No Gran Dabbang, uma casa de comida no bairro de Palermo, a missão de Mariano Ramón, 41, é democratizar o jantar fino. “O conceito por trás do restaurante é mostrar a diversidade de produtos superiores que existem na Argentina e torná-los acessíveis a todos, em um ambiente descontraído e inclusivo”, disse Ramón. “Mantivemos o design simples a fim de investir os nossos recursos nos melhores ingredientes e no capital humano”.
A Ásia e o Oriente Médio recebem atenção em pratos nuançados, que incluem muitos ingredientes nacionais. Os pratos favoritos do cardápio incluem uma entrada de “labneh” em camadas com pepino japonês, cerejas desidratadas, chutney de tamarindo, hortelã negra andina, nozes, funcho fatiado, “chiles” apimentados e sementes de romã, servidos em companhia de um prato de macarrão de grão-de-bico frito.
Fique atento a entradas como codornizes grelhadas marinadas com “rica rica” (uma erva floral amarga, dos altiplanos), pasta de gengibre e iogurte, e pacu assado (um peixe de água doce da região mais tropical no nordeste da Argentina), abrilhantado com cúrcuma fresca, pasta de limão, amêndoa e iogurte, cardamomo e pimenta da Jamaica, e coberto com chutney de papaia e coentro. “Muitos ingredientes tropicais que os moradores locais acham ser ‘exóticos’ são na realidade nativos do norte da Argentina”, disse Ramón.
No Mengano, seu primeiro restaurante, inaugurado em Palermo em 2018, Facundo Kelemen, 35, decidiu reinventar o “bodegón” -um restaurante clássico de bairro– em uma casa do início do século 20, decorando-a com retratos de família e móveis de herança.
A cozinha aberta permite aos fregueses verem o cozinheiro preparando novas interpretações de receitas consagradas pela tradição, que são servidas na forma de pequenos pratos para serem compartilhados.
“Cada prato traz um certo nível de surpresa, e todos eles são emblemáticos da culinária argentina, que é principalmente um amálgama de influências espanholas, italianas e ‘creole’”, ele disse. As empanadas de carne bovina frita são recheadas com cebola, pimentão, alho, especiarias e um caldo de carne saboroso que explode a cada dentada.
Outros destaques incluem a “tarte” de cordeiro da Patagônia, nhoque feito com amido de mandioca, e um prato de arroz crocante que fica a meio-caminho entre um risoto e um “socarrat” – a camada de arroz torrado que forma o fundo de uma paella.
No Oli, um café brilhante e animado aberto para o café da manhã, “brunch” e almoço perto do agitado bairro de Colegiales, Olivia Saal, 28, dividiu o cardápio uniformemente entre doces e salgados preparados na hora.
As melhores escolhas incluem torradas francesas feitas do zero, com uma camada fina de iogurte, creme de mascarpone e frutas secas mistas e figos, e as deliciosas “medialunas” (uma especialidade argentina parecida com um croissant), recobertas de açúcar.
Para um lanche salgado, peça um queijo quente grelhado com presunto na “chipa”, uma espécie de pão de queijo feito de mandioca. A sala de refeições oferece vista para uma cozinha envolta em vidro na qual um grupo de jovens tatuados trabalha arduamente.
“Sempre sonhei ter um restaurante onde os fregueses pudessem ver as pessoas que os alimentam”, disse Saal, “e onde a equipa de cozinha pudesse ver os convidados entrando e saindo felizes”.
Tradução de Paulo Migliacci
Fonte: Folha de S.Paulo