Cenário de ‘Rocky’, Filadélfia é destino para amantes de arte e história

Mais de 45 anos se passaram desde que Rocky Balboa subiu correndo triunfante as escadarias do principal museu de arte da Filadélfia no filme “Rocky” (1976). Num final de tarde de verão, atletas locais e turistas repetiam o feito, terminando os 72 degraus com os braços levantados, prontos para a foto perfeita.

Toda sexta-feira e no primeiro domingo do mês, o Philadelphia Museum of Art tem entrada gratuita depois das 17h. É quando muitos terminam a corridinha cinematográfica e vão parar numa longa fila para entrar ali.

Philly, apelido da cidade de 1,5 milhão de habitantes, está no imaginário dos cinéfilos por conta do boxeador, mas também está no mapa dos entusiastas da arte, em especial dos devotos de Marcel Duchamp (1887-1968), um dos artistas mais radicais do início do século 20.

O museu tem a maior coleção de obras de Duchamp do mundo, graças à doação em 1950 do colecionador americano Walter Conrad Arensberg (1878-1954), amigo e patrono de Duchamp, que se mudou para os EUA em 1915.

Gente do mundo todo faz peregrinação ao Philadelphia Museum of Art para conhecer seu último e mais misterioso trabalho, “Étant Donnés“, visto apenas por meio de dois buraquinhos numa porta de madeira, praticamente escondida no museu. Atrás dela, está o corpo de uma mulher na grama segurando uma lamparina, talvez descansando ou talvez mutilada. Seu torso foi baseado na namorada de Duchamp, a escultora brasileira Maria Martins (1894-1973).

“Étant Donnés” foi criada em segredo ao longo de mais de 20 anos no estúdio do artista em Nova York, quando seus amigos acreditavam que Duchamp havia desistido das artes para se dedicar ao xadrez. Um ano após sua morte, usando instruções detalhadas deixadas pelo próprio artista, o museu instalou a obra de maneira permanente, negando qualquer pedido de empréstimo.

Também “O Grande Vidro”, outro trabalho marcante de Duchamp dos anos 1920, não deixa o museu, embora existam réplicas que circulam por exposições internacionais. “A Fonte” (1917), seu famoso urinol de porcelana e um dos símbolos do dadaísmo, foi destruído, mas o museu guarda a réplica mais antiga feita por Duchamp, assim como outras obras importantes, como sua escandalosa pintura “Nu Descendo a Escada” (1912).

O Philadelphia Museum of Art é casa também da maior coleção do escultor Auguste Rodin fora de Paris e exibe obras de Monet, Léger, Van Gogh, Turner e Rubens. Ao final do passeio, não esqueça de visitar a estátua de Rocky do lado esquerdo ao fim da escadaria (ou direito para quem sobe).

Assim como é preciso viajar a Philly para ver “Étant Donnés”, só na cidade é possível ver as obras da Barnes Foundation, que nunca deixam a instituição ou mesmo as salas para as quais foram designadas por seu fundador, Albert C. Barnes (1872-1951), um químico colecionador de arte.

Em quatro décadas, ele adquiriu 181 trabalhos de Renoir, formando a maior coleção do artista francês no mundo. Fez o mesmo com Cézanne, do qual o museu possui o recorde de 69 obras, incluindo “Os Jogadores de Cartas”.

O espaço é uma rara experiência museológica: Barnes gostava de pendurar as obras nas paredes misturando períodos, como quadros impressionistas ao lado de arte medieval, além de combinar tudo com mobiliário de época e trabalhos feitos em metal, como espátulas e dobradiças de portas. Assim, criava grandes arranjos simétricos de acordo com suas cores, luzes e linhas, princípios que ele chamava de “linguagem universal da arte”. Os trabalhos não têm legendas: é preciso acompanhar com um panfleto separado.

Os quadros são exibidos exatamente do jeito que Barnes deixou ao morrer, em 1951. Em 2012, foram transferidos para um novo espaço da fundação, mantendo a ordem original.

Assim como outras cidades da costa leste americana, a Filadélfia tem muita história para contar sobre a fundação dos EUA. Foi aqui que os “pais fundadores” se encontraram para debater e assinar a Declaração de Independência em 1776 e, uma década depois, para escrever a Constituição do país.

O salão onde os representantes das 13 colônias americanas se encontraram para selar o futuro da região fica no Independence Hall, um edifício de tijolinhos cuidadosamente conservado. A visita é gratuita e acontece sempre com um guia.

Referências a Benjamin Franklin (1706-1790) também ajudam a relembrar o passado histórico da região. Um museu dedicado a sua vida fica ao lado do terreno onde foi sua casa e de uma oficina gráfica recriada do século 18, que mostra como eram feitos os panfletos políticos da época, uma especialidade de Franklin.

Mas Philly não cheira a naftalina. Afinal, foi aqui que David Bowie (1947-2016) escolheu para gravar parte de seu álbum “Young Americans” (1975), no Sigma Sound Studios. Infelizmente, o estúdio não teve a mesma sorte dos prédios históricos e hoje resta apenas uma placa no local.

A cidade vibra com dezenas de cervejarias, como a Evil Genius Beer Company, e casas especializadas em sidra, como a Original 13 Ciderworks, além do Barcade, onde dá para tomar cerveja e sidra e jogar nas mais de 60 máquinas de fliperama.

Para experimentar o famoso philly cheesesteak, sanduíche com fatias finas de bife e queijo derretido, a melhor pedida é se perder no Reading Terminal Market, um mercado indoor histórico, que data do final do século 19. Entre os vendedores de comida local, a Miller’s Twist vende um cheesesteak diferente, enrolado num pretzel quentinho, que derrete na boca. Um viva à liberdade culinária.

Fonte: Folha de S.Paulo

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