Churrasco grego, por que São Paulo te odeia?

No último dia 16, quando Jô Soares completaria 85 anos, o fotógrafo Bob Wolfenson publicou, em seu perfil de Instagram, uma foto inédita do Gordo comendo um churrasco grego no centro de São Paulo. Ele não menciona a data, mas o sanduíche custava R$ 0,50 –menos de 10% do valor atual.

Quem cresceu na São Paulo do fim do século passado e quem frequenta o centro sabem muito bem o que é um churrasco grego. Para os demais, eu explico.

Um churrasco grego consiste em vários bifes empilhados num grande espeto vertical, que gira movido por um motor. Atrás do espeto, fica uma fonte de calor, geralmente uma resistência elétrica. O operador da traquitana “descasca” a parte exterior do rolo de carne com uma faca. Recheia os sanduíches e permite que o miolo da coisa asse.

O churrasco grego do centro paulistano sempre foi uma coisa muito barata. Suspeitamente barata. Por poucos merréis, o combo inclui ainda vinagrete e um refresco artificial.

Os cidadãos com poder aquisitivo para poder almoçar de fato nutrem histórica desconfiança –não de todo infundada– quanto à procedência da carne e às condições de higiene do preparo. Sucede que toda comida de rua, quando autêntica, envolve algum risco sanitário.

Pouco tem a ver com falta de asseio com o profundo desdém que a elite paulistana sente pelo churrasco grego. Ele está para São Paulo como o acarajé está para Salvador e o tacacá está para Belém. Churrasco grego é a comida de rua quintessencial de São Paulo. Mas São Paulo queria ser Nova York e lhe virou as costas (menos o Jô).

Algum chef paulistano poderia ter trabalhado, sei lá, uma releitura ou uma receita melhorada do churrasco grego, com bons ingredientes e técnicas para preparar um rango realmente gostoso. Mas ninguém se interessou. Até que algum filhinho de papai descobriu a roda quando foi mochilar na Europa.

Os espetos giratórios de carne se tornaram comuns no eixinho Pinheiros-Vila Madalena logo no começo do século. Um negócio parecido com o churrasco grego agora era vendido sob o nome kebab. E o kebab tinha história: era o döner kebab, comida dos imigrantes turcos que conquistou a garotada europeia. Agora São Paulo queria ser Berlim.

Assim funciona a ceninha da cidade: todos com os olhos voltados para fora, numa jequice que se pretende cosmopolita.

Não encontrei grande coisa sobre a história do churrasco grego –apenas generalidades que apontam uma origem comum com a do döner kebab e o shawarma levantino. O churrasco no espeto vertical é comum em todo o Oriente Médio e na Grécia.

Agora, por que seria grego e não libanês ou sírio? As comunidades árabes de São Paulo sempre foram muito maiores e mais influentes do que a grega. Agradeço se alguém tiver uma pista.

Com as levas mais recentes de imigrantes sírios, libaneses e palestinos, o shawarma ganhou espaço e aceitação na gastronomia da cidade. Bacana, mas o churrasco grego continua no limbo.

O churrasco grego não é shawarma, ele não é kebab. Tem tempero paulistano, vem no pão francês com vinagrete e um suquinho de cortesia. Merecia mais consideração da cidade aniversariante.

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Fonte: Folha de S.Paulo

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