Como se fosse virgem

Sextou em Zurique e, não muito distante da fila para usar a cabine de foto instantânea na Geroldstrasse, outra fila —esta para tomar vacina na frente do Café Medici, em Zürich West— está bombando. São tantas coisas improváveis nessa cena que eu tive que parar para entender tudo aquilo.

Primeiro porque, confesse, você nunca imaginou que alguma coisa pudesse bombar em Zurique.

Segundo que uma noite de sexta não é onde você imagina que iria encontrar uma fila de vacinação contra a Covid-19. Ainda mais cheia de jovens com pinta de clubbers.

Tem a estranha presença da cabine de fotos instantânea na vizinhança, como ponto de encontro ressuscitado, onde adolescentes querem tirar uma “selfie”, como nos velhos tempos. Ah, e tem também o fato de eu estar fora do Brasil depois de… Bem, foram exatos 20 meses sem sair do nosso Brasil, um hiato que eu não vivia desde o final dos anos 1980!

As razões para isso você conhece bem.

Mas fato é que surgiu, digamos, uma janela de oportunidade. E eu nem pensei duas vezes antes de aproveitá-la.

Como colocou bem a “The Economist”, num artigo recente sobre restrições para viagens internacionais nessa era pós-Covid, para os viajantes um mundo menos aberto significa menor liberdade de ir e vir. Como diz a revista, “essa perda é ainda mais irritante porque as regras (para viajar) não fazem o menor sentido”.

Quando embarquei para a Suíça, semana passada, tudo que eu tinha que apresentar no embarque era o comprovante de duas doses de vacina. Mas aí, bem quando eu estava lá, as regras mudaram.

Entre outras coisas, desde segunda-feira (13), exige-se dos visitantes um certificado de saúde, tipo um passaporte de Covid, e os turistas ainda terão de ser testados, continuamente, durante sua estada —testes estes que ficam, a partir de outubro, por conta do viajante.

Ou pelo menos eu acho que é isso. As regras são detalhadas e ao mesmo tempo confusas, num reflexo não apenas do rigor dos protocolos suíços, mas de um ainda frágil entendimento global do que pode e o que não pode, do que é seguro e o que não é, do que sabemos e ignoramos sobre a pandemia.

Resta a nós, com sede de viajar, adaptar-nos a esses tempos instáveis e tentar aproveitar o melhor de cada chance de sair.

Exatamente o que eu estava fazendo naquela noite em Zürich West, a parte mais boêmia da cidade, que mistura construções industriais (o centro cultural mais interessante da região, Schiffbau, era uma fábrica de navios) com um clima de bares de cerveja artesanal, jovens chefs hipsters, clubes impossivelmente disputados, pequenas salas de jazz —e, sim, filas para vacina.

Essa viagem, que quero explorar melhor neste espaço, ainda incluiu outras atrações incríveis: um passeio pelo museu olímpico em Lausanne; um convescote na linha slow food nos alpes; uma farra de raclete em Crans-Montana; a descoberta de uma igreja com vitrais de Sigmar Polke; apaixonantes trajetos de trem.

Mas o mais fascinante de tudo foi a possibilidade de experimentar de novo a sensação de viajar para um país estrangeiro. Do voo de 12 horas —um tempo excruciante para pedir para alguém não tirar a máscara— ao cansaço de um trekking a 2 mil metros de altura, você acha que eu tinha espaço para reclamar de alguma coisa?

A felicidade de viajar pelo mundo novamente superou qualquer inconveniente. E, em mais de um momento, redescobrindo esse prazer, me vi cantando uma certa música de Madonna, de 1984, que nos lembra como é ser tocado (ou tocada) pela primeira vez…

Fonte: Folha de S.Paulo