Consumidor está desesperado para viajar, diz CEO da TAP

O aumento de preço das passagens áreas, resultado da inflação recorde na Europa agravada pela Guerra da Ucrânia, não abalou a demanda por voos, que continua aquecida, afirma a CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener.

“É claro que nos afeta [a guerra e a inflação], mas não está alterando a demanda. Os consumidores querem viajar, estão desesperados para terem liberdade e poderem voar para onde quiserem”, avalia a executiva, que acaba de completar um ano à frente da empresa.

Em entrevista à Folha, ela afirma que os custos da empresa já aumentaram em mais de 300 milhões de euros somente por causa do aumento de combustíveis.

Além dos custos, a companhia enfrenta outro problema: a crise no aeroporto de Lisboa –com mais de cem voos cancelados e milhares de passageiros afetados na última semana. Para Christine Ourmières-Widener, a questão só deve se resolver em meados de agosto.

Embora haja outras empresas com problemas, a maior parte dos cancelamentos na capital lusa são justamente na companhia aérea nacional, que atribui parte das dificuldades à falta de pessoal em terra e aos constrangimentos logísticos que ocorrem também em outros países.

Christine Ourmières-Widener, 57, é engenheira aeronáutica e começou a carreira na parte técnica das operações, trabalhando na equipe responsável pelo Concorde na Air France.

A executiva francesa foi uma das primeiras mulheres na liderança das empresas de aviação. Antes de comandar a TAP, foi CEO de outras duas aéreas europeias, a Flybe e a CityJet.

Também é uma das duas mulheres entre os 31 membros do conselho de governadores da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo, na sigla em inglês), entidade que reúne as principais empresas do setor em todo o mundo.

Responsável pela maior parte dos voos entre Portugal e Brasil –há voos para 11 capitais brasileiras–, a TAP reconhece a importância do mercado brasileiro e diz que avalia expandir as operações no ano que vem.

Por enquanto, a companhia reforçou a frequência de voos saindo também do aeroporto do Porto, no Norte do país: um destino cada vez mais procurados por turistas e pela crescente comunidade de imigrantes brasileiros.

Ao contrário de outras companhias aéreas europeias, a TAP não enfrenta uma greve de seus funcionários. Ainda sim, muitos voos da empresa vêm sendo cancelados. Por que isso acontece? Há uma crise muito difícil nos aeroportos. Nosso ecossistema tem muitos players diferentes, com regras diferentes. Nós somos uma companhia aérea, mas nós dependemos de muitos fornecedores, que precisam fazer direito a parte deles.

Por exemplo, um dos problemas logísticos são os sistemas de controle de tráfego aéreo, que estão sofrendo por diferentes razões.

Temos ainda muitos voos que já chegam a Lisboa atrasados de outros destinos. Nós vimos recentemente a situação em Heathrow [Londres], em Amsterdã e também em Frankfurt. Não necessariamente houve greves nesses aeroportos.

É uma combinação de problemas, incluindo falta de pessoal em solo. Algumas pessoas se demitiram, e nós temos dificuldade para recontratar para certos postos. É uma questão de um abalo na cadeia de serviços em um grande nível.

Qual é a perspectiva realista para o fim desta crise? Eu acho que, em meados de agosto, nós já teremos uma situação mais estabilizada. O recrutamento já está acontecendo. Estamos pondo em prática uma série de medidas e um plano de ação

Por que as companhias aéreas têm tido tanta dificuldade para recrutar? A nossa situação na TAP talvez seja diferente de outros mercados. Nós não temos dificuldades para contratar pilotos [um dos grandes gargalos nos EUA] ou pessoal de cabine. Para nós, o mais difícil tem sido contratar as equipes que atuam em solo. Isso é algo que ainda é desafiador para vários dos nossos parceiros em todo o mundo.

Como a guerra, a inflação e o aumento do custo dos combustíveis estão afetando a companhia? Apenas por causa do combustível, nossos custos aumentaram em 300 milhões de euros.

Nós estamos tentando mitigar isso. Todas as companhias aéreas decidiram aumentar a sobretaxa sobre o combustível, não foi só a TAP.

É claro que isso tudo nos afeta, mas não está alterando a demanda. Os consumidores querem viajar, estão desesperados para terem liberdade e poderem voar para onde quiserem

O aumento das tarifas não afetou a dinâmica da demanda. Sim, há um impacto no nosso custo, mas, por enquanto, mesmo com o aumento de preços, nós podemos dizer que estamos dentro dos nossos planos.

O Brasil é um mercado importante para a TAP. Quais são os planos da empresa para o país? O Brasil é o primeiro mercado para a TAP depois de Portugal. É responsável por quase um terço das nossas receitas.

No momento, nós estamos adicionando frequências de voos. Nós não estamos acostumados a lançar novas frequências ou destinos durante o inverno, que é baixa temporada. Mas estamos trabalhando com a ideia de fazer isso no ano que vem.

Ainda estamos estudando, porque temos limitações, mas nós adoraríamos investir mais no Brasil.

A sra. é uma das duas mulheres entre os 31 homens que compõem o conselho de governadores da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo). Por que esse é um ambiente ainda tão difícil para as mulheres? Eu não sei por que está levando tanto tempo para a indústria mudar, mas isso está acontecendo.

Há uma combinação de fatores. É um ambiente muito técnico, muito complexo. Temos também um histórico das comunidades dos pilotos, que tradicionalmente sempre foram muito dominadas pelos homens.

Eu acho que está acontecendo, devagar, mas está. E não há razão para não acontecer. Há muitos talentos femininos na indústria.

Neste ano, por exemplo, houve algumas indicações de mulheres como CEO de companhias aéreas, como na KLM [Marjan Rintel] e na Pegasus [Guliz Ozturk, a primeira mulher a liderar uma empresa de aviação na Turquia].

Há uma preocupação cada vez maior com a grande quantidade de gases causadores de efeito estufa emitidos nas viagens de avião. É possível que uma empresa aérea seja sustentável entre perspectiva ambiental? Todos nós temos de pensar no ambiente, é parte da nossa responsabilidade. Uma das primeiras formas que as companhias aéreas têm para se comprometerem com a sustentabilidade é voarem com aeronaves modernas, que queimam menos combustível e são menos poluentes. E é isso que nós fazemos.

Eu considero que a TAP tem uma das frotas mais modernas da Europa. A redução de combustível pode chegar a 30% com a mudança de aeronaves. Então é muito importante. Temos de fazer nossa parte.

Fonte: Folha de S.Paulo

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