Contra o tempo, vento a favor

Tenho me emocionado bastante recentemente. São os tempos, dirão os impacientes. Mas essa história da família que, diante da perda progressiva de visão de seus filhos, resolveu viajar pelo mundo, para que eles pudessem ver suas maravilhas, realmente mexeu comigo.

Sim, ando sensível. Por exemplo, chorei no Círio de Nazaré, domingo passado. Sempre choro, é verdade, mas desta vez foi com os jovens fiéis de Nazinha (o apelido carinhoso da santa) com livros na cabeça, simbolizando que entraram numa faculdade: a gratidão não por um bem material adquirido, mas pela conquista da sabedoria.

Chorei com a mesma sabedoria ganhando no primeiro turno das eleições presidenciais e ficando ainda mais forte para ganhar no segundo. Chorei com a recuperação da saúde da minha mãe. Com o primeiro sorriso do meu sobrinho recém-nascido. Com um belo pôr do sol em Belém e até, inesperadamente, ouvindo outro dia “O Mundo Anda Tão Complicado”, do Legião Urbana.

Mas, quando li sobre a família Lemay semana passada no “The New York Times”, foi tipo… choro descontrolado. E, ao ver a reportagem do “Fantástico” sobre eles, no último domingo, chorei do mesmo jeito.

Caso a história lhe tenha escapado, resumo: com três de seus quatro filhos diagnosticados com retinite pigmentosa, uma doença rara que provoca a perda gradual de visão, pai e mãe canadenses decidiram sair pelo mundo para que Mia (11 anos), Coli (7) e Laurent (5) captassem tudo que seus olhos conseguissem armazenar enquanto podem.

A expedição em si, que já passou por alguns países do sul da África (com uma escala especial em Zanzibar), pela Capadócia (região da Turquia), pelo deserto de Gobi (Mongólia) e agora está pelas ilhas da Indonésia, já é emocionante. Mas, para mim, ela tem um significado ainda mais especial.

Recentemente, como já compartilhei aqui, passei por uma (bem-sucedida) cirurgia para corrigir um descolamento da retina e, durante a recuperação, fui frequentemente assombrado pela possibilidade de deixar de enxergar o mundo.

Em inventários imaginários, resgatava os lugares que colecionei na vida e, em balanços informais, ficava feliz de ter tido a chance de ver até hoje tantas coisas lindas, tanta gente linda.

Mas acho que o que mais me emocionou foi perceber que a missão da viagem da família Lemay era ainda maior. Segundo Edith, a mãe, eles queriam não apenas mostrar aos filhos como é lindo esse mundo, mas ainda que eles conhecessem como outras crianças vivem em lugares distantes e, assim, pudessem perceber como são privilegiados.

Isso bateu forte na minha própria vivência de viajante. Mais de uma vez, em Madagascar, no Camboja, na Jordânia, no sertão do nosso Nordeste, para citar apenas alguns lugares, me dei conta de como era especial para este turista que vos escreve poder viajar pelo mundo e guardar não apenas imagens, mas experiências, aprendizados, gratidão.

São essas trocas que, como insisto, nos tornam mais humanos. Os filhos da família Lemay vão voltar dessa viagem diferentes. Sem dúvida nenhuma, essas crianças vão se tornar adultos mais interessantes. E farão desse mundo, um lugar melhor.

A visão que eles vão perder nos olhos será talvez substituída por outra ainda mais poderosa, e que muita gente parece ter perdido irrecuperavelmente: aquela que permite enxergar o outro, ciente das nossas próprias diferenças. E que faz disso não uma desculpa para a guerra, mas uma porta aberta para a união.

É sobre isso —para usar o simpático clichê de redes sociais. Nós cruzamos fronteiras para aprender, não para conquistar.

Fonte: Folha de S.Paulo

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