Cruzeiros deixam o ‘coma quanto puder’ de lado e apostam em alta gastronomia

É uma brigada de centenas de cozinheiros que prepara as refeições dos quase 600 passageiros a bordo do Marina, um dos navios da companhia de luxo Oceania Cruises, que desta vez cruza o mar Báltico, entre Dinamarca e Estônia.

Mas quase não há hambúrguer, pizza e macarrão. No menu, estão lagostas do Pacífico, salmão selvagem finlandês e até carne de wagyu vinda direto do Japão.

Por dez dias, os almoços e jantares a bordo são dignos de restaurante estrelado.

O açafrão das receitas vem de Castilla-La Mancha e até a farinha francesa é moída de acordo com especificações exatas passadas pela equipe de cozinha antes de ser enviada aos navios.

Para acompanhar o chá da tarde, os passageiros podem pedir na cabine uma tábua de queijos franceses DOP (de origem protegida) ou morangos cobertos de chocolate belga. Em um dos bares, uma carta com uma dezena de martínis diferentes para beber como aperitivo antes (ou depois) do jantar.

Nos últimos anos, as operadoras de cruzeiros passaram a apostar na gastronomia como forma de atrair um novo nicho de passageiros mais exigentes (e endinheirados) —e finalmente deixar para trás a ideia dos bufês “coma quanto quiser” que fizeram a fama dos navios populares no passado.

Para isso, contratam chefs com passagens em renomadas cozinhas francesas, investem em fornecedores locais que possam entregar ingredientes frescos todos os dias, constroem adegas com os melhores vinhos do mercado e contam até com curadores para garantir a qualidade dos menus.

Há dois anos, a Silversea Cruises contratou o jornalista gastronômico Adam Sachs, ex-diretor da prestigiosa revista americana de comida Saveur, para criar um programa com as melhores experiências gourmets entre terra e mar.

Batizado de S.A.L.T. (Sea & Land Taste), o objetivo do novo formato é buscar refeições únicas, com chefs renomados, visitas a produtores ou eventualmente até almoçar com um proprietário de vinhedos na Sicília com vista para o Monte Etna.

“Penso na experiência da mesma forma que eu me prepararia para relatar uma história: quais as culturas e tradições dos lugares que estamos visitando, quem são as melhores pessoas para conhecer e preparar nossa comida?”, explica Sachs.

Há duas décadas, a Oceania Cruises estabeleceu uma frutífera parceria com o famoso chef francês Jacques Pepin, que revolucionou a gastronomia nos EUA —a versão americana do Claude Troisgros, com programas de TV e grande fama.

Além de um restaurante homônimo presente nos navios da companhia com pratos de toda sua carreira, Pepin também assina, desde 2012, o menu do La Reserve, uma experiência exclusiva a bordo (para 12 pessoas) que une pratos criados especialmente por ele com vinhos selecionados pela prestigiosa revista Wine Spectator —que também criou degustações para os navios, como uma vertical de champagne.

O cuidado com a gastronomia vai aos mais meticulosos detalhes. “Importamos manteiga Elle & Vire, da Normandia, para garantir que servimos o melhor croissant e o melhor pain au chocolat”, diz Alexis Quaretti, diretor de desenvolvimento culinário da empresa.

Em um dos restaurantes, o Toscana, as louças têm assinatura da grife Versace. Há também um especialista em azeites que sugere rótulos para acompanhar os pães da entrada.

“Queremos criar os melhores restaurantes de hotel sobre as águas”, afirma Howard Sherman, presidente e CEO da Oceania.

E a preocupação vai além dos navios. As companhias têm trabalhado com chefs e especialistas locais para oferecer experiências exclusivas também em solo, quando os passageiros podem sair e conhecer as cidades —e suas cozinhas.

Um dos programas oferecidos pela Oceania na pequena ilha sueca de Gotland, por exemplo, envolve a visita à Lilla Bjers, uma pequena fazenda orgânica, em que os visitantes podem conhecer e colher os produtos que servirão para as receitas que vão comer no almoço.

As atividades ainda contam com visitas a mercados, tours gastronômicos ou reservas nos melhores restaurantes locais. No navio, o Culinary Center é uma cozinha-escola onde é possível aprender a preparar receitas das culturas relacionadas à viagem, como um salmão curado ou o kanelbulle, um pão doce de canela sueco.

De olho nas mudanças do comportamento do paladar dos consumidores, a Oceania também acaba de anunciar novos conceitos gastronômicos, como uma padaria francesa e uma pizzaria com massa de fermentação natural, que devem ser incorporados a seu novo navio, o Vista, a começar a navegar já no próximo ano.

“Estamos de olho em tudo o que acontece no mundo da comida para incorporar novos movimentos”, explica Sherman.

Mais pratos vegetarianos, por exemplo, além de cafés de especialidade e coquetéis com menos álcool, devem estar mais presentes a bordo a partir de 2023.

“Essa atualização e busca por servir a melhor comida requer muito mais trabalho e dedicação, também um investimento substancial”, explica o presidente da Oceania.

Para muitas empresas de cruzeiros, a aposta parece estar surtindo bom efeito. Elas perceberam que o melhor jeito de fisgar seus clientes é mesmo pelo estômago.

Fonte: Folha de S.Paulo