Destaques recentes

Todo dia é isso! Eu já não aguento mais! Sob o comando de sabe-se lá quais algoritmos, todos os dias o meu celular me prepara essa armadilha com o título “Destaques recentes”. Ou “Fotos em destaque”. O sofrimento é o mesmo!

Hoje, por exemplo, veio: eu e uma amiga querida com quem trabalhei por anos na TV Globo, em uma esquina colorida de Buenos Aires; uma selfie no Suvarnabhumi, aeroporto de Bancoc na frente de um cartaz comemorando o Songkran, o festival das águas; eu mergulhado até o pescoço no mar de Galinhos (RN); uma daquelas “fotos de souvenir” com seis amigos que estavam num barco pelo mercado flutuante de Amphawa, Bancoc; eu e meu melhor amigo sentados em um banco do Museu Berardo, Lisboa; selfie de um sorriso radiante no templo dourado de Xieng Thong, em Luang Prabang, Laos; um cuidador de elefantes no parque Garhwal, em Yamkeshwar, Índia; a fachada azulejada da igreja Bom Jesus dos Martírios, Maceió; Marina Person segurando um prato no meu jantar de aniversário (abril 2018) no Bo.lam, Bancoc.

Ontem tinha Paris (duas fotos!), Salvador, Buenos Aires (sempre!), Fortaleza, Lalibela (Etiópia), San Gimignano (Itália), e uma foto da janela do meu apartamento no Jardim Botânico, no Rio. Anteontem? Quase metade delas em Miami e o resto em Paris (como é a cidade que mais visitei no mundo, não me surpreende que essas “forças ocultas” estejam sempre “me empurrando” imagens de lá!).

Até bem pouco tempo eu gostava dessas lembranças automáticas. De vez em quando eu até fazia gosto de ver aquele filminho que o próprio celular produzia, sempre com uma trilha sonora duvidosa, e também com uma seleção aleatória de… momentos!

Mas, de um tempo para cá, essas memórias estão se tornando uma verdadeira tortura. Já que não temos a menor previsão de quando podemos viajar, o que era uma cara lembrança passou a ser uma cruel provocação.

Estou ciente das dificuldades pelas quais todos estamos passando. Quando escrevo aqui, como tenho feito no último ano, sobre as coisas boas de se viajar (e sobre a falta que sentimos delas), nunca o faço alheio a todas essas mazelas que enfrentamos nesse período terrível.

Mais e mais, a pandemia fecha seu círculo e aperta o perímetro de vítimas para mais perto da gente. E, inevitavelmente, ficamos mais preocupados e atentos. Eu certamente estou mais preocupado e atento.

Mas, veja que ironia, este é um espaço que celebra o prazer de viajar pelo Brasil e pelo mundo. E é neste contexto que eu me permito brincar com essa ideia de ser “torturado” pelo meu telefone! E material não falta para isso…

No rolo de câmera, é possível selecionar as fotos pela localização e, com isso, ter uma boa ideia das fontes onde os algoritmos vão beber. Em Bali, 628 imagens. Tailândia, 1.034, que nem é tanto assim se você levar em conta que só em Luang Prabang eu tenho 595!

São 195 em Goa, na Índia. Exatas 200 em Israel. Surpreendentes 337 em Madagascar, a metade delas, de lêmures! São 139 na região dos lagos do Chile, pouco menos do que na capital: 153. Salvador é a campeã no Brasil, com 252 fotos. Mas Natal vem ali coladinha, com 240.

E se a gente for para a Europa: 294 em Lisboa; 575 em Londres; 176 em Amsterdã… E inacreditáveis 2.313 em Paris, para onde agora estamos temporariamente proibidos mesmo de ir.
Números esses que, claro, eu esperava que crescessem em 2020, bem como a lista dos países que já visitei. Essa conta, porém, parou nas 114 bandeiras. Idem para a somatória das imagens que coleciono pelo mundo.

Quando retomarei a tabulação? Sou otimista! Com os 58 anos que completei semana passada, imagino que minha vacinação esteja em um horizonte próximo. Mas isso é só o primeiro passo para que nós, brasileiros, possamos pensar em viajar novamente —a proibição nesta semana dos voos entre Brasil e França é um triste sinal de que esse caminho não vai ser fácil.

Até entrar mesmo num avião, voar mais de dez horas, passar por uma imigração, irritar-se com o taxista que não fala sua língua, largar as malas num quarto estranho de hotel e sair registrando outras imagens para futuros “destaques”, isso é outra história…

Fonte: Folha de S.Paulo