Pular para o conteúdo

Estudantes lidam com incertezas e vantagens ao buscar intercâmbio em meio à pandemia

Fazer intercâmbio em meio à pandemia virou uma prova de obstáculos, que vão mudando de forma e intensidade a cada semana. E estudantes brasileiros atualmente no exterior lamentam perderem algumas experiências, mas ao mesmo tempo aproveitam as vantagens, como poder trabalhar a distância.

Com consulados fechados ou com atendimento reduzido, o primeiro desafio é conseguir um visto. Depois, é preciso acompanhar as regras de fechamento de fronteiras, e torcer para que elas sejam favoráveis no momento do embarque. E, por fim, ter a sorte de que o país de destino esteja em um bom momento da pandemia, com menos restrições de atividades.

No começo de 2021, dois dos principais destinos dos estudantes brasileiros, Canadá e Irlanda, reforçaram as restrições de entrada. No Canadá, será preciso fazer quarentena ao chegar, em hotéis específicos, com estada paga pelo viajante.

Outro país muito procurado, os EUA seguem com fronteiras fechadas e emissão de vistos suspensa. O então presidente Donald Trump ordenou a reabertura poucos dias antes de deixar a Presidência, mas Joe Biden reverteu a medida logo após a posse. Na prática, o bloqueio nunca deixou de existir.

“Estamos vivendo um dia de cada vez. Como o Brasil falhou no controle da Covid, estamos sendo penalizados lá fora”, diz Maura Leão, diretora da Belta, entidade que reúne as agências de intercâmbio do país.

Segundo ela, alguns consulados estrangeiros pediram que as agências orientassem os estudantes a respeitarem as regras e a não tentarem subterfúgios, para que não sejam barrados nos aeroportos.

“A orientação é para que os estudantes não acreditem em informações em grupos de WhatsApp e sigam as determinações oficiais”, avisa a diretora. “A associação teve de fazer um trabalho de checagem de informações para lidar com isso”.

Para lidar com este cenário de incerteza, as agências de intercâmbio passaram a oferecer condições flexíveis, como a remarcação grátis dos períodos de aulas e das passagens.

“A nossa orientação é para que as pessoas comprem para ir lá por agosto, setembro, e se chegar lá e não puder ir, remarca sem custo”, indica Celso Garcia, diretor da rede de agências CI. “As vendas estão inibidas, mas há uma grande demanda reprimida”, avalia

A empresa, uma das maiores do setor no Brasil, fechou 2020 com 38% das vendas que fez em 2019, mas teve um janeiro de 2021 melhor: o volume de negócios foi de 50% do ano anterior.

Com os bloqueios nos destinos principais, outras opções para estudar inglês, como Malta, na Europa, e os Emirados Árabes Unidos (no Oriente Médio) ganham espaço. Bruno Araújo, 29, chegou a Dubai em 31 de dezembro, após adiar uma viagem prevista para abril.

“Minhas aulas são presenciais. Na segunda semana aqui, teve um caso de Covid na minha turma. Colocaram a pessoa em quarentena por uma semana, e para voltarem à escola, todos tiveram de apresentar teste com resultado negativo”.

Naquele momento, Bruno também foi infectado, mas teve sintomas leves e não precisou ir ao hospital. Mesmo assim, diz que a viagem está valendo muito a pena. “Já tinha vindo aqui antes da pandemia e não senti diferença, tirando o uso da máscara e algumas regras de distanciamento. Tudo continua aberto, as pessoas seguem saindo. A pandemia está mais controlada aqui, e a vacinação está indo rápido”, conta ele, que morava em Boa Vista, capital de Roraima.

Outra brasileira que começou um intercâmbio recentemente, Caroline Manolio, 22, foi para a Espanha em dezembro, em um intercâmbio como estudante de arquitetura em Madri.

“Tem bastante gente na rua, e estou conseguindo aproveitar a cidade. Os parques e museus estão abertos. Restaurantes e bares fecham 22h, mas por volta de 21h, os garçons já trazem a conta e nos mandam embora”, aponta.

Como vantagem, ela encontrou uma oferta maior de imóveis para alugar, e conseguiu um quarto por 210 euros (cerca de R$ 1.300), valor bem mais baixo do que era cobrado antes da pandemia. “Como tem menos gente vindo, há mais opções para alugar”, conta.

Caroline disse que teve dificuldade para conseguir uma entrevista de visto. “O consulado reduziu o número de atendimentos, e foi preciso ficar olhando o site de madrugada, para ver se alguém desistia e abria vaga. Consegui assim”. Por conta das escalas, sua viagem de São Paulo a Madri iria durar dois dias, mas mudanças em cima da hora lhe pouparam tempo. No trajeto, ela teve de mostrar o teste negativo de Covid-19 diversas vezes.

Ela está tendo agora um dia de aula presencial por semana, e dois de aulas virtuais. E, para ajudar a pagar as contas, ela segue trabalhando remotamente. “Por conta da pandemia, consegui manter meu emprego do Brasil e trabalhar daqui. Era algo que antes talvez não poderia”, diz.

Beatriz Rejani, 21, também aproveitou as novas possibilidades trazidas pela pandemia. Ela foi estudar inglês na Carolina do Norte, nos EUA em dezembro de 2019, e decidiu ficar mais um ano por lá. Isso só foi possível porque as aulas de seu curso de direito no Mackenzie (em São Paulo) estão sendo realizadas a distância.

Ela, no entanto, teve dificuldades no início da pandemia. “Trabalho como au pair [babá], e de repente tive de ficar três meses cuidando de duas crianças de quatro anos o dia todo em casa, pois as escolas fecharam. Às vezes, eram 10 horas por dia”, lembra.

As crianças já voltaram para a escola presencial, mas ela ainda não. Seu curso de inglês segue com aulas remotas. Beatriz também pegou Covid. “Tive todos os sintomas, mas não fui ao hospital, pois tive medo de depois receber uma conta muito alta”, conta ela.

Ela não recomenda uma viagem de intercâmbio agora. “Você amadurece mais, porque enfrenta mais dificuldades, mas não consegue ter uma experiência completa, como ir para a escola e conversar com a galera. Tinha muita coisa em mente, mas tive de cancelar viagens que faria nos EUA”, conta.

Ana Cláudia da Rocha, 24, tem sensação parecida: ela foi estudar um mestrado em geologia na Rússia, também antes da pandemia. “De um dia para o outro, todas as aulas ficaram online, e isso reduziu bastante meu aprendizado”, conta ela, que morava em São José dos Campos, no interior de São Paulo. “E alguns alunos que saíram do país durante as férias não conseguiram voltar depois”.

Já Lucas Catelani, 21, que irá estudar medicina na Rússia, ainda não conseguiu embarcar, e começou o curso fazendo aulas remotas de russo em Jacareí, também no estado de São Paulo, onde mora.

“A escola ofereceu a opção de fazermos aulas em um horário mais adequado ao nosso fuso, então estudo de 9h a 14h, na hora daqui”, conta ele, que estuda na mesma turma virtual com colegas do Equador, Iêmen, Moçambique e Síria. “Como há atividades em dupla e em grupo, a gente conversa bastante pelo WhatsApp, mesmo de outros assuntos”, diz.

“Há uma ansiedade sobre quando poderei ir. Não há informações sobre isso. Mas vou seguindo minha rotina de estudos até lá”, comenta.

Para os estudantes que já estão no exterior, há a expectativa de conseguirem tomar logo a vacina, provavelmente antes do que se estivessem no Brasil. Caroline espera ser imunizada até o meio do ano. Seu seguro-viagem inclui o imunizante.

Nos EUA, as vacinações serão gratuitas, e as au pairs estão sendo incluídas nos primeiros grupos, por serem cuidadoras. “Tenho amigas que tomaram por conta disso”, diz Beatriz. E na Rússia, estudantes já estão sendo vacinados em algumas cidades, como Moscou.

Fonte: Folha de S.Paulo