Expedição de barco leva turista à Amazônia selvagem, mas com conforto

Há um gracejo diferente na Amazônia —e não é só por causa da COP27. Com a chegada da estiagem, de outubro a janeiro, uma imensidão de bancos de areia surge ao longo do curso do rio Negro, ao norte do estado. É o deleite dos orgulhosos amazonenses —sobretudo das aldeias e comunidades do entorno— e também dos turistas, que têm um motivo a mais para querer estar ali: se esbaldar nas praias de água doce em meio à floresta.

Cinco dias e quatro noites: é o período que dura uma das expedições mais procuradas da Katerre, marca detentora de três barcos para experiências na selva, entre eles o Jacaré Açu, que navega pelo Parque Nacional do Jaú, uma das maiores e mais antigas unidades de conservação do país.

São aproximadamente 22 km de extensão, 430 ilhas e 500 metros de uma margem à outra. Estar a bordo no rio Negro é, como disse Hemingway sobre Paris, “uma festa”. Só que uma festa verde e silenciosa, a céu aberto, única e genuinamente brasileira.

A primeira parada da viagem, partindo da pequena cidade de Novo Airão, é a região do Madadá. Há quem prefira pernoitar na selva, balançando na rede, com vista para o rio Negro, para contar as estrelas e dormir mais perto dos bichos.

Na manhã seguinte, há o nascer do sol para se ver do mirante. E, ao longo do dia, uma trilha floresta adentro que leva às grutas do Madadá. Na volta, uma parada no sítio caboclo e mergulho de rio, na Praia do Sono, para se derreter diante do pôr do sol alaranjado.

Uma Amazônia selvagem, mas confortável.

Há 13 anos, o Jacaré Açu, feito de madeira de lei de itaúba, sobe e desce o rio Negro a uma velocidade média de 12 a 15 km/h, parando em pequenas aldeias conhecidas como comunidades ribeirinhas.

São três andares, oito cabines (camas de casal e beliches), deque com redes, chuveirão e espaço para o principal atrativo da viagem: contemplar. Não há sinal de internet ou celular —um detox total. O único alerta sonoro é o badalar do sino que vem da cozinha para avisar que o almoço está posto.

Ilustres cidadãos já marcaram presença ali, de Maria Gadú (que gravou “Mundo Líquido” a bordo) a Milton Nascimento, que de tanto gosto repetiu a expedição e ainda deu uma canja para os tripulantes.

O guia é indígena, Josué, nascido e criado na região, assim como toda a tripulação. Ele conduz o passeio ensinando truques e segredos da mata, como subir no pé de açaí e se defender do ataque da onça.

E também narra mitos e ritos dos povos originários, entre eles a passagem da fase infantil para a vida adulta entre os meninos nas aldeias. “O garoto veste uma luva cheia de formiga tapiba, cuja picada causa pelo menos 14 dias de dor, e sai dançando na tribo com a mão para cima. Virou homem.”

Um detalhe: as formigas tapiba liberam um cheiro que afasta não apenas mosquitos, mas também sanguinários significativamente maiores como as onças.

Terceiro dia a bordo e é hora de entrar no Parque Nacional do Jaú, que abrange quase em totalidade a bacia do rio Negro, com cerca de 2,3 milhões de hectares. Um dos atrativos são as ruínas de Airão Velho, resquícios de uma cidade erguida durante a fase áurea da borracha e destruída na ditadura militar.

No mais, é a natureza que comanda o espetáculo. Olho atento para as aves e os mamíferos aquáticos, tais como botos (nascem cinza e vão ficando cor-de-rosa), garças, araras, papagaio e ariranhas.

“Os predadores da Amazônia, jacaré, sucuri, peixe-cachorro, piranha e pira-arara [o tubarão dos rios], só atacam nas áreas próximas aos troncos, de água parada”, informa Josué, depois de comentar sobre o candiru, temível e minúsculo peixe que entra pela uretra.

Uma visita à grande árvore da Amazônia, a samaúma, rende mais do que boas fotos de abraço coletivo em seu tronco. No rio Jaú, de águas espelhadas, um passeio de canoa por dentro do igapó, na comunidade do Aturiá, é um convite à reflexão.

À noite, o programa é subir na voadeira (embarcações para até cinco pessoas) para ver jacarés, que mantêm apenas os olhos do lado de fora da água.

Sob a consultoria da chef Debora Shornik, a comida servida é típica da região norte: peixes de água doce em primeiro plano, crepes de tapioca, pãozinho de cará e frutas tropicais no café da manhã.

Uma das marcas da expedição é o turismo sustentável como alternativa de renda às populações ribeirinhas tradicionais. Basta uma visita à comunidade da Cachoeira para se perder no papo com os moradores, famílias de indígenas que moram à beira do Negro.

Eles protegem o rio e seus habitantes, enterram ovos de tartaruga no quintal —anualmente, cerca de três mil quelônios são soltos em segurança na natureza— e convidam a conhecer a casa de farinha, onde é produzida a farinha de mandioca.

A Floresta Amazônica é o maior abrigo de biodiversidade do mundo, com 30 milhões de espécies de animais, sendo 180 em risco de extinção. Com viés de conservação, o Projeto Bicho de Casco atua há quase duas décadas na proteção das quatro espécies de quelônios ameaçados na bacia do rio Negro e afluentes: iaçá, irapuca, tracajá e tartaruga-da-Amazônia.

Na luta contra o tráfico ilegal, uma força-tarefa movimenta seis comunidades, com fiscais e voluntários que monitoram sete zonas de desova do rio Jauaperi.

A saideira, já de volta a Novo Airão, inclui interação com os botos (que não estão presos) e city tour para ver artesanato e iniciativas como a Fundação Almerinda Malaquias, cuja espinha dorsal é um centro de educação ambiental para dezenas de crianças e adolescentes de sete a 15 anos.

Antes de retornar para Manaus, uma dica valiosa e revigorante é pernoitar no Mirante do Gavião, inaugurado em 2014, às margens do rio Negro, em frente ao Parque Nacional de Anavilhanas.

Um lodge com experiências únicas de onde partem expedições rumo a regiões mais remotas e preservadas da Amazônia, em toda a sua complexidade —um safári no estilo brasileiro pela maior e mais exuberante floresta tropical, o coração verde do planeta.

EXPEDIÇÃO KATERRE

Novo Airão, a 200km de Manaus. O valor dos roteiros varia de acordo com a embarcação, o tempo no barco, o itinerário e a quantidade de pessoas. Jacaré Açu (expedição fretada para grupos fechados: R$ 16.960/dia (valor dividido para quatro pessoas) a R$ 31.670/dia (16 pessoas). Com direito a transfer e refeição (com bebida alcóolica). katerre.com

ONDE FICAR

Hotel Mirante do Gavião: Diárias, com pensão completa e transfer, diárias para casal a partir de R$ 1.944 na baixa temporada (26 fevereiro – 30 junho), e R$ 2.244 na temporada regular. mirantedogaviao.com.br

O jornalista viajou a convite da Katerre


O Que Levar

  • Roupas leves (não se esqueça de incluir algumas camisetas de manga comprida, de preferência com proteção UV, e de pelo menos uma calça)
  • Cantil de água
  • Boné ou chapéu
  • Óculos escuros
  • Protetor solar
  • Capa de chuva leve
  • Lanterna básica
  • Roupa de banho
  • Cangas ou toalhas de trilha
  • Saco impermeável ou tipo zip para proteger as câmeras em trilhas
  • Tênis e chinelos
  • Repelente de insetos
  • Produtos de higiene pessoal
  • Remédios de consumo habitual (regiões remotas não têm farmácias grandes, então não conte com a compra de determinados itens)
  • Câmera
  • Mochila pequena para caminhadas e trilhas durante o dia
  • Binóculos
  • Recomenda-se tomar a vacina contra a febre amarela

Fonte: Folha de S.Paulo