Experiências de um novato no Carnaval de Salvador

Eu ia escrever sobre todas as coisas incríveis que experimentei na minha estreia no Carnaval de Salvador. Mas aí eu vi o Ilê passar e…

Ia primeiro explicar que apesar de já ter visitado inúmeras vezes a capital baiana, eu nunca tinha tido a chance de passar os cinco (ou seis ou sete?) dias de Carnaval na cidade.

Ia justificar dizendo que por mais de 20 anos eu trabalhei nos fins de semana no Rio e por isso lá sempre foi minha escolha para me divertir na festa mais popular do Brasil. E acrescentar que, quando não tinha mais esse trabalho, veio um negocinho chato chamado pandemia, que atrasou meus planos de um Carnaval soteropolitano.

Ia descrever as longas e intensas noites de cobertura do circuito Barra-Ondina, nas quais eu tive o privilégio de conversar cara a cara com os maiores nome da música baiana e outros grandes destaques do pop brasileiro, de Ivete a Brown, de Anitta a Pabllo, ancorando um grande evento televisivo chamado “Band Folia”.

Ia detalhar alguns desses momentos mais especiais, começando pela noite em que eu ganhei um colar, atirado do chão por um Filho de Gandhy que desfilava lá embaixo jogando alfazema para o alto e perfumando o mais suado dos foliões. E ainda ia dizer que esse presente me fez chorar.

Ia lembrar que esse não foi o primeiro choro da temporada, que uma noite antes, um percussionista do Olodum, depois de inacreditáveis peripécias com seu tambor de cabeça para baixo, me atirou sua baqueta, um raro presente que já está sobre a porta da minha casa.

Ia rir da experiência surreal de atravessar a multidão compacta que cercava o carro de Léo Santana (e o de Ivete!) para entregar prêmios para esses artistas e, tendo sobrevivido a isso, circular atordoado pelo labirinto claustrofóbico e vibrante de um trio elétrico.

Ia resgatar um raro momento de serenidade durante uma entrevista com Gilberto Gil, no generoso almoço que ele e Flora oferecem no sábado de Carnaval, este ano celebrando o retorno do camarote Expresso 2222 ao seu endereço original, o icônico edifício Oceania, no farol da Barra.

Ia retornar à folia descrevendo o choque de ver as três musas do É o Tchan, Carla Perez, Scheila Carvalho e Sheila Mello, dançando “Segure o Tchan” juntas sob o comando de Xanddy pra comemorar os 30 anos da banda e levando quem estava assistindo à loucura, inclusive eu.

Ia somar a essa memória, a de Armandinho, esse, o de Dodô e Osmar, me agraciando com uma versão bem carnavalesca (com tempero baiano) de “Love of My Life”, do Queen, fazendo o que talvez fique na minha cabeça como a segunda melhor versão da música depois daquela clássica do show da banda em São Paulo em 1981 —sim, eu então estava lá para ver.

Ia compartilhar outras descobertas sonoras, como o Bailinho de Quinta, que merece uma dimensão mais nacional; e redescobertas, como Tomate, que eu já tinha esquecido como sempre foi bom.

Ia desdobrar meu comentário sobre tempero baiano para as suntuosas experiências gastronômicas dessa temporada contando com requintes as maravilhas que comi, desde o restaurante do hotel onde fiquei, o Canto, à tradicional moqueca impecável da Casa de Tereza, passando pela simplicidade do acarajé da Dinha, que, para a minha perdição, ficava na esquina de onde me hospedei.

Mas eu resolvi deixar tudo isso de lado para falar da emoção que foi ver, lembrando, pela primeira vez, o Ilê sair na ladeira do Curuzu levando sua infinita mensagem de paz conduzida por uma deusa, este ano de 2023, chamada Dalila.

E aí eu fiquei sem palavras.

Fonte: Folha de S.Paulo

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