Faltam estratégia e foco para turismo crescer no Brasil, diz secretária de Portugal

Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, a população de Portugal representa cerca 5% da brasileira. O PIB (Produto Interno Bruto) do país europeu atingiu US$ 218 bilhões em 2017, o equivalente a 10% do brasileiro no mesmo ano. 

As diferenças demográficas e econômicas são enormes. No turismo, também são, mas no sentido inverso. Em 2018, Portugal recebeu 12,8 milhões de turistas estrangeiros, quase o dobro se comparado ao Brasil, visitado por 6,8 milhões. 

Nem sempre foi assim. Em 2005, o país da Península Ibérica recebeu 5,9 milhões de turistas estrangeiros. De lá pra cá, houve uma alta de 117%. 

Uma das principais responsáveis por essa ascensão é Ana Mendes Godinho, que desde 2015 é secretária de Estado de Turismo de Portugal, o equivalente a ministra. 

Em passagem pelo Rio para participar do evento Portugal 360, no início do mês, Godinho falou à Folha sobre a ampliação das rotas aéreas para Portugal e a consolidação do turismo por todo o país.

O que é o projeto Revive? É a transformação do patrimônio histórico que está abandonado em patrimônio com vida. É um projeto conjunto do Turismo de Portugal, da Cultura e do Ministério das Finanças.

Já fizemos o levantamento arquitetônico e histórico de 33 monumentos que pertencem ao Estado e podem se transformar em ativos nas mãos de investidores privados. Começamos esse programa há dois anos, e o primeiro hotel vai abrir no dia 22 de junho.

Queremos requalificar o patrimônio e criar âncoras de desenvolvimento espalhadas por Portugal. Esperamos que o turismo aconteça cada vez mais ao longo de todo o país. 

Nos últimos anos, o turismo de Portugal tem passado por mudanças… Mudamos estruturalmente. Deixou de ser uma atividade sazonal, e o país passou a se posicionar como um destino top, com uma montra [vitrine] de cultura, patrimônio, gastronomia, vinhos, artesanato. 

As receitas do turismo cresceram 45% nos últimos três anos. Temos conseguido atrair mercados que mal conheciam Portugal, como os EUA. Já estamos na ‘bucket list’ [lugares para conhecer antes de morrer] dos americanos.

Se tivesse que escolher um fator preponderante para alcançar essas mudanças, qual seria? Tenho que dizer três. Primeiro, fizemos grande aposta nas necessidades aéreas, voltadas aos mercados que queríamos atingir.  

Segundo, a inovação. Os jovens têm contribuído para essa reinvenção de Portugal. Quando montamos a estratégia para o turismo há dez anos, identificamos desafios aos quais precisávamos responder, como eficiência energética e produção de resíduos. 

Lançamos, então, concursos para que os jovens nos ajudassem a encontrar soluções, o que tem tornado o país um centro de inovação. 

Terceiro ponto, o posicionamento de Portugal como um país aberto. Estamos a nos diferenciar dos outros [europeus] e a mostrar que somos um país para todos. Não nos interessa a cultura, a religião.

Mas existem problemas, não? O aeroporto de Lisboa está saturado Tem razão. Nosso turismo cresceu a uma velocidade superior ao que estava previsto há uma década e tivemos que identificar os investimentos a serem feitos em infraestrutura para garantir a continuidade dessa dinâmica. 

Um desses investimentos é o aeroporto de Lisboa. Já foi assinado acordo pela Vinci [empresa francesa que opera dez aeroportos em Portugal] e pelo governo para a construção de um segundo aeroporto na cidade de Montijo [a cerca de 35 km do centro de Lisboa]. Permitirá duplicar a capacidade de voos para Lisboa. Deve ficar pronto em 2022.

Foi feito um acordo para investimentos no atual aeroporto da Portela, que vai permitir aguentar o crescimento até que Montijo esteja pronto. 

O que o governo tem feito para o que o país não seja só um destino da moda? Não é uma mudança episódica porque estamos a conseguir que todo o país tenha vocação turística

Além disso, o turismo serve como instrumento de promoção do país em várias dimensões. Serve como captação de novos residentes e investidores. É uma mudança de perfil econômico, que envolve indústrias como a de alimentos. 

A senhora tem dito que o turismo deve ser tratado como ciência. O que quer dizer? Turistas não caem do céu. O turismo é uma ciência econômica como qualquer outra atividade econômica. Talvez seja um bocadinho mais complexa porque envolve áreas que não dependem só de recursos econômicos, como a cultura. 

Temos de trabalhar de forma sistemática, com indicadores e metas. Queremos chegar a € 26 bilhões de receita em 2027. Partimos de uma base de 12,7 bilhões em 2016. 

Temos que construir esse puzzle com os mercados que gastam mais em Portugal. E compor isso com os produtos que geram mais riqueza. 

Há uma relação de causalidade entre o investimento que fazemos e os resultados que obtemos. Um exemplo são as rotas aéreas. Nos últimos três anos, conseguimos 584 novas rotas e operações aéreas para Portugal nos mercados que nos interessavam. Passamos de 500 mil turistas americanos para 1 milhão. Ultrapassamos 1,5 milhão de chineses. 

Um em cada três novos postos de trabalho em Portugal vieram do turismo nos últimos três anos. Quais áreas mais empregaram? Essencialmente a restauração. Tivemos um fato determinante, baixamos o IVA [imposto sobre o valor agregado] na restauração, o que significou um alívio às empresas, que tiveram liquidez para contratar.

Também foram criados empregos na animação turística [que promove passeios culturais ou ar livre]. Tínhamos cerca de 200 empresas no setor em 2015 e agora são mais de mil. Havia uma taxa de retorno de cerca de 1% em 2015. Agora, está em torno de 3%. 

A senhora também tem enfatizado a importância de reações rápidas. Se não conseguirmos antecipar o futuro, já fazemos parte do passado. É crucial trazer a juventude para os processos de decisão porque é ela que consegue identificar as tendências. 

Criamos um centro de inovação para o turismo em parcerias com Google, Microsoft e Amadeus, com aeroportos, com bancos. O objetivo é estimular essa permanente antecipação do que vai acontecer. Como será o hotel do futuro? A pessoa vai poder escolher o aroma do seu quarto?  

Qual conselho pode dar ao turismo brasileiro? O Brasil tem tudo para ser um país mais procurado. O que o turismo precisa é de estratégia e de foco. É necessário garantir que as pessoas tenham vantagem com o desenvolvimento turístico. Se elas sentirem que isso acontece, serão agentes da mudança. Uma posição de país aberto ao mundo também é fundamental.

Dados recentes mostram um aumento de 150% de denúncias de casos de xenofobia por brasileiros em Portugal. São situações pontuais. Não há qualquer movimento de xenofobia. Portugal tem sido considerado por estrangeiros como o melhor sítio.


Destinos fora do comum em Portugal

A secretária de Turismo de Portugal indica atrações fora da rota turística tradicional no país europeu

Açores
“Os brasileiros conhecem pouco as ilhas. Os Açores são a Nova Zelândia da Europa. Há uma experiência inesquecível, mergulhar num vulcão extinto.”

Madeira
“Também uma ilha, tem um clima temperado extraordinário. Recomendo  fazer uma levada [trilha] pela floresta Laurissilva.”

Nacional 2
“No continente, é obrigatório percorrer a Nacional 2, estrada que atravessa o país de norte a sul. São 730 km, dá para fazer em uma semana, dez dias.”  

Rio Douro
“Patrimônio da Unesco. É lindo o cruzeiro pelo rio para observar as vinhas com as quais o vinho do Porto é feito.”

Aldeias de xisto
“É uma rede de aldeias feitas com xisto, um minério escuro. Há hotéis butiques extraordinários.”

Monsaraz
“É uma vila medieval no topo de uma montanha, no Alentejo. Na base da montanha, há um lago artificial, com praias fluviais onde as pessoas podem se banhar. Tem ótimos vinhos.” 

Coimbra
“Tem um museu de história natural com animais empalhados trazidos pelos portugueses há 500 anos de vários territórios, como o Brasil.”

Elvas
“Fica na fronteira, com fortalezas que serviam para defender Portugal da Espanha. Aconselho um prato espetacular, o bacalhau dourado.”

Algarve
“Além de praias, peixes e mariscos, que são o óbvio, sugiro um passeio de bicicleta pela costa. O Algarve é bom para a observação das aves. É por onde elas passam na transição do hemisfério Norte para o Sul.”

Fonte: Folha de S.Paulo