Feijoada às sextas, a heresia do governador carioca de SP

Pouco ou nada simpatizo com o atual governador de São Paulo, o carioca Tarcísio de Freitas (Republicanos). Milico, amigo do filhote de Belzebu, defensor das pautas mais reacionárias da política.

Dito isto, preciso admitir que concordo com sua decisão de mudar, no restaurante do Palácio dos Bandeirantes, o dia da feijoada.

Até a gestão Tarcísio, o prato era oferecido a servidores e convidados nos almoços de quarta-feira –como é a tradição nos restaurantes paulistanos. O novo inquilino do palácio realocou a feijoada no cardápio das sextas, conforme o costume do Rio.

Uma sinapse de lé com cré basta para incluir a decisão no rol das cariocadas do governador paulista. Na conta da ignorância e do desdém pelos hábitos do estado que o elegeu.

Não é uma hipótese a se descartar. Mais provável, porém, é que o capitão Tarcísio tenha sido racional. Cariocas são mais racionais do que paulistanos no quesito feijoada.

Feijoada provoca o efeito jiboia: sua digestão ocupa muito do sangue que deveria irrigar o cérebro. Mesmo que você não jiboie, que você não tire a tarde para dormir, seu desempenho intelectual será prejudicado.

Menos mal que a lerdeza circunstancial ocorra na sexta, quando os motores do trabalho estão desacelerando.

Mas vá convencer disso um paulistano de ideias empedernidas.

São Paulo tem um singular roteiro semanal de pratos de almoço. Às segundas, virado à paulista. Terça-feira é dia de bife à rolê –antes era dobradinha, mas o nojinho a derrotou.

Na quarta, claro, a feijoada que se repete no sábado.

A quinta-feira é dia de massas: espaguete, nhoque, com carne assada ou frango ensopado. E a semana se encerra com o peixe das sextas, cristão às pampas.

É singular porque todos os restaurantes comerciais repetem o roteiro de forma quase idêntica. Não vi algo assim em nenhuma outra cidade.

Um patrimônio cultural muito interessante, sem dúvida. Vira problema quando vira dogma.

Algumas tradições alimentares se tornam sagradas, irrefutáveis, e questioná-las se assemelha a uma heresia. Por que não comer feijoada às quintas, sextas, domingos, segundas e terças?

O dogmatismo alimentar do paulistano o aproxima do italianos. Na Itália, não existe cappuccino depois do meio-dia, e macarrão para acompanhar carne é uma abominação novo-mundista.

Em Roma ou Milão, contudo, é absolutamente normal comer pizza de manhã cedo, no almoço, a qualquer hora. Não em São Paulo, onde a pizza é uma espécie de vampiro que não pode ver a luz do Sol.

Esse tipo de purismo só faz sentido na lógica de grupos que se fecham dentro das próprias manias. Ou seja, não faz sentido.

Mas voltemos à feijoada do governador. Sua ida para as sextas-feiras deixou uma lacuna no menu das quartas. E quem a preencheu? O virado à paulista das segundas.

Aí já é demais, Tarcisão. Sem esculacho, mermão. Só falta baixar um decreto obrigando as pizzarias a oferecer ketchup ao lado do azeite.

Fonte: Folha de S.Paulo

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