Guia para presidentes sem noção

Indica algum restaurante novo em Paris? Onde eu posso comprar uns vinhos diferentes em Lisboa? Qual é o melhor acarajé de Salvador? E uma boa loja de departamentos em Bangcoc?

Responder a perguntas assim faz parte da minha rotina de viajante, ou ainda, para usar uma expressão mais contemporânea, de “influencer viajante”. No turismo, o tutorial é ainda bastante respeitado e o boca-a-boca vale mais do que um anúncio colorido.

Frequentemente sou consultado sobre dicas como as que listei acima, e até sobre coisas mais inesperadas. Melhor comida vegetariana em Bueno Aires, por exemplo? Eu adoro ser útil assim!

Muitas vezes, dou conselhos até sem ser solicitado. Outro dia, ouvi alguém num jantar indicar Punta del Este para um jovem viajante sul-africano com apetite para a América Latina.

Imediatamente me meti na conversa e disse que a praia uruguaia, de fato estupenda, não chega aos pés do deserto de Atacama, no Chile, especialmente para um jovem aventureiro de vinte e poucos anos.

Meu palpite, ainda que meio intrometido, foi bem-vindo, e talvez ele tenha me inspirado a escrever essa coluna de hoje, dedicada a dar dicas para presidentes que querem impressionar com fotos em viagens ao exterior.

Os conselhos a seguir não têm a pretensão de influenciar nosso atual governante, cujas escalas recentes trouxeram só embaraços, mas, com um pouco de sorte, quem sabe futuros líderes sem noção não estejam anotando?

Para inspirar esperança na nossa civilização, poucos lugares são tão fortes (e fotogênicos) quanto a Praça dos Direitos dos Homens, no Trocadero, em Paris. E, de bônus, tem a vista da torre Eiffel.

Não muito distante dali, uma foto no Passeio dos Direitos Humanos em Nuremberg, na Alemanha, lindo e solene, também pega muito bem. E, no mesmo país, o Memorial do Holocausto, em Berlim, nos desorienta e nos absorve com sua capacidade de nos fazer pensar na estupidez de uma guerra, especialmente quando ela é movida por uma perseguição religiosa.

Na Índia, uma passada rápida pelo Raj Ghat é recomendada. Longe de ser um Taj Mahal, o simples mármore onde se apoia uma chama eterna guarda as cinzas de um certo Mahatma Gandhi. Mas a atmosfera que abraça o modesto monumento é de respeito e devoção.

Há, “ali do lado”, em Daca, Blangadesh, um curioso marco, o Shaheed Minar, que homenageia estudantes mortos em um protesto pelo direito de falarem sua língua nativa, o bengalês. E, em Hiroshima, Japão, uma foto em frente ao Domo Gembaku nos remete, com dignidade e vergonha, aos horrores da bomba atômica.

Seria interessante registrar também uma passagem pelo Museu do Apartheid, em Johanesburgo, África do Sul, de preferência diante das portas que anunciam quem pode entrar por elas: brancos ou não-brancos.

Ah! E uma selfie na frente do painel com as vítimas da ditadura chilena no Museu da Memória e dos Direitos Humanos, em Santiago, fecharia bem essa coleção de souvenires.

Mas me ocorre agora que nem todos os líderes, especialmente os mais ocos e desconectados de sua responsabilidade perante um povo, sejam dignos de visitar esses lugares. Se você pertencer a este grupo, desconsidere as minhas recomendações.

Nesse caso, posso sugerir talvez um fantástico pôr do sol em Jericoacara, no nosso lindo Ceará, numa tentativa de reconexão com a natureza. Se nem isso adiantar, porém, siga seu caminho ignorante.

Nós, aqui, seguimos por um roteiro de aprendizados. Porque viagem serve para isso também: para nos lembrarmos dos nossos erros e nos transformamos em seres humanos melhores.

Fonte: Folha de S.Paulo

Marcações: