Estardalhaço já não basta para algo repercutir –viralizar, hitar, seja qual for a gíria da hora– nas redes sociais. É preciso ultrajar a audiência.
Isso vale também para os posts relacionados à comida. A atrocidade culinária grassa na realidade paralela das redes.
Fala-se um montão sobre como Instagram, Twitter, TikTok e aparentados corrompem o tecido social como um todo. Ainda não vi nenhum especialista analisar o efeito dessas plataformas na cultura alimentar, então vou dar meus pitacos.
A falta de noção das redes sociais extrapola para o mundo real e emporcalha a gastronomia.
Em busca de divulgação orgânica, chefs e empresários do setor investem no “instagramável”. Preocupam-se menos com a qualidade da comida do que com pirotecnia para aparecer em fotos e vídeos dos frequentadores.
Não faz tanto tempo, fui levado a um restaurante cuja especialidade é a lasanha instagramável. O garçom traz a massa envolta num tubo plástico e espera o cliente aprontar a câmera do celular. Então levanta o tubo: uma pororoca de molho branco inunda a lasanha, fenomenal gororoba registrada em vídeo.
Se o problema estivesse só no cardápio dos restaurantes, francamente, dane-se. Mas desconfio que a doença das redes sociais tenha infectado os hábitos alimentares de uma parcela da população –eu, que produzo conteúdo para essas redes, incluso.
Você já reparou na profusão de festivais de comida superdimensionada e gordurosa que surgiram nos últimos anos?
As pessoas vão a esses eventos para filmar, fotografar e postar acarajé de um quilo, torresmo com meio metro de diâmetro e o boi no rolete. Mas acabam comendo toneladas dessas coisas e estimulando os outros a fazer o mesmo.
A falta de noção ganha outra magnitude quando examinados alguns vídeos produzidos para o TikTok e os reels do Instagram. Lá, para se destacar, precisa ser nojento, nauseabundo, escroto e cretino.
Uma mulher, presumivelmente americana, espalha Big Macs numa enorme assadeira. Faz camadas com batatas fritas, xarope de maple, molho de tomate industrial, um saco de cheddar ralado, bacon, lombo canadense, mais xarope, McChickens, mais molho e cheddar em fatias. Leva o monstro ao forno e serve a lasanha de lixo para o infeliz que a filmou.
Um outro degenerado derrama vidro derretido sobre um bife. Obtém uma carne literalmente carbonizada.
Tem maluco escorrendo macarrão na privada, instagramete recheando um peru com um bloco de queijo, uma fulana preparando a janta de seis arrobas na pia da cozinha.
De todos os vídeos nojentos, o que mais me perturba mostra uma mulher, com sotaque britânico, ensinando a lavar um peito de frango cru. A dona joga o penoso na pia, abre a torneira, manda ver no detergente verde, esfrega o bicho todo e enxágua. Só faltou passar bombril.
Não tem camadas de porcaritos, não tem lança-chamas. Parece ser sério. Apenas uma pessoa, sua ignorância, um frango e um Limpol de limão a propagar desinformação e atentar contra a saúde pública.
É aí que mora o perigo.
Fonte: Folha de S.Paulo