Londres pulsa em seus jornais

Em minha recente passagem por Londres estive em hotéis bem clássicos, onde um detalhe me lembrou do passado: a oferta de jornais do dia, que já foi parte inseparável do ritual de acordar numa cidade estrangeira.

Hoje o mais habitual, nos melhores hotéis, é que lhe ofereçam um aplicativo pelo qual você, identificando-se como hóspede, pode acessar dezenas de publicações, como jornais e revistas —e não somente daquele país.​

É uma enxurrada de informações, ao alcance do seu celular, ou tablete, ou laptop.

Esta praticidade tecnológica foi a que encontrei no histórico hotel Brown’s, que mantém uma aura tradicional, mas não parou no tempo.

Já no The Dorchester, igualmente clássico e dotado deste recurso moderno, encontrei também o hábito físico da entrega dos jornais.

No Brasil, já não assino a versão em papel dos diários (embora mantenha o hábito de “folhear” as edições da Folha, página por página, nas telas do meu tablet toda manhã).

Então, retomar por uns dias a prática de acordar; abrir a porta do quarto e encontrar, pendurada do lado de fora, a sacolinha de couro recheada de jornais; e refestelar-me de volta, mergulhando no perfume antigo de papel e tinta, equilibrando as folhas que cada vez parecem mais desajeitadas para serem manipuladas —foi uma gostosa viagem no tempo.

A alegria foi multiplicada por outro fator: os exemplares do fim de semana eram imensos. Como já foram no Brasil, onde, estamos hoje em dia condenados a mirradas edições até mesmo no domingo, um dia, no passado, de volumes gloriosos de papel e informação.

The Daily Telegraph. The Guardian. The Sunday Times. Quilos de páginas, centenas delas. Suplementos em todos os formatos —standard (a página normal), tabloide em papel jornal, revistas em papel cuchê.

E dá-lhe assunto: além dos suplementos de economia, de política, de cultura, de esportes, assuntos de cobertura diária, também no fim de semana somos agraciados com cadernos extras de comida, de jardinagem, de imóveis, de literatura, de decoração, programação de TV…

Dá vontade de nem sair do quarto, e ficar ali acompanhando a cidade, o país e o mundo por meio das informações e análises trazidas pelos jornais.

Como aquele indeciso que fica horas maratonando o índice dos canais de streaming, lendo a descrição de dezenas de filmes sem se decidir por nenhum, no primeiro dia me senti impelido a ficar saboreando não somente as notícias, mas também toda a programação de arte à disposição em Londres: as galerias e museus, os filmes em cartaz, os livros recém-lançados, até os novos restaurantes.

É mais ou menos como tantas vezes fiz no passado com as revistas físicas que assinava, europeias e americanas. Por meio de reportagens, resenhas e críticas, ficava saboreando de longe um novo restaurante que abrira em Nova York, um novo vinho lançado em Bordeaux, o mais recente bar inaugurado em Milão.

A diferença foi que, agora, estava tudo ali, ao alcance da mão, distante poucos metros ou quilômetros do hotel. Londres não estava no outro lado do mar, estava à minha disposição logo além da porta.

Nesta primeira manhã londrina, depois de mais de uma hora chafurdando alegremente, e ainda meio incrédulo, aqueles jornais, claro que saí do transe. E saí à rua para cumprir meus afazeres.

Mas não saiu de mim aquela alegria de ver jornais vivos, impondo-se até mesmo por seu olhar tendencioso (cada um tem suas preferências políticas e não se vexa disso), refletindo a vida pulsante da cidade que, depois deste breve e revigorante aperitivo, fui viver ao vivo.

Fonte: Folha de S.Paulo

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