Mais um ponto para a natureza

Vamos de mais um capítulo na disputa ferrenha entre destinos urbanos e de natureza? Você que me acompanha aqui já sabe onde está minha preferência: descaradamente em favor das cidades. Mas aí você passa um fim de semana em Capitólio e…

Há algum tempo a cidade mineira está no meu radar. Aliás, não só no meu. Capitólio cresceu rapidamente na lista de prioridades de destinos turísticos. Uma década atrás, era um tesouro secreto, para poucos.

Mas, de uns anos para cá, as visitas começaram a crescer. Driblando a dificuldade de acesso (quase seis horas de carro de São Paulo e, de Belo Horizonte, pode por umas cinco horas de estrada) o lugar foi ganhando destaque só no boca a boca.

Não é para menos. O lago artificial criado na construção da usina de Furnas transformou a paisagem, que já era dramática, em um cenário estupendo. Cânions, que já seriam impressionantes, com as águas que preencheram aquele espaço se tornaram cinematográficos. A ocupação por turistas como nós era questão de tempo.

Ela chegou então nos anos 2010. Como em todo crescimento rápido, veio de uma maneira meio desordenada. Gente do Brasil todo queria conhecer aquela maravilha, e a pequena Capitólio, o polo turisticamente mais ativo da região, correu para receber todo mundo.

Surgiram várias pousadas com aquela vista privilegiada do lago. E mesmo as acomodações mais simples na cidade passaram a receber os hóspedes com atenção máxima —afinal, estamos em Minas Gerais, né? Sim, eu sou mineiro também, de Uberaba, mas escrevo isso imparcialmente. Juro!

A mistura dessa hospitalidade com as belezas naturais ajudou a alavancar ainda mais o turismo e tudo indicava que, em 2022, Capitólio estava pronta para um boom de visitantes. Aí veio o acidente.

No dia 8 de janeiro deste ano, uma rocha desabou de um dos cânions mais visitados no lago, e a notícia fez com que aquela atração tão bonita se tornasse ainda mais conhecida —não exatamente por um bom motivo. Dez pessoas morreram no acidente.

O entusiasmo em conhecer a região naturalmente esfriou. Especialistas convocados pelos noticiários prontamente disseram que o deslizamento era inevitável, por conta das chuvas, mas os cuidados com os turistas precisavam de mais atenção.

Convidado pela própria cidade a conhecer a região, estive lá na semana passada, e parece que as lições foram aprendidas. A tristeza do incidente está presente como um eco surdo na parte do lago onde tudo aconteceu. Mas a beleza solene também.

A visita agora é quase solitária. Apenas um barco entra por vez no espaço e percorre aquelas águas praticamente em silêncio. A solitude do passeio reverencia não apenas as vítimas fatais, mas também a natureza maravilhosa. E, como ela já mostrou, poderosa.

Foi um exercício de contemplação. Em especial porque, como estamos no final do outono, as temperaturas já estão mais baixas e não somos distraídos pelas tentações fáceis do verão.

A água mais fria talvez não convide para o mergulho. Menos ainda para um banho de cachoeira, que eu teimosamente tomei na Canela de Ema —algo que, confesso, só encarei por causa da promessa, cumprida, de degustar na sequência a melhor carne na lata de todas as Minas Gerais.

Mas há encantos que só essa época do ano oferece, como a luz de um amanhecer em cima de um balão abraçando o que todo mundo chama carinhosamente de Mar de Minas. Ou um pôr do sol no Morro do Chapéu.

E foi assim que, mais uma vez, eu me vi obrigado a pensar se a natureza, como atração, não ganha da cidade. O placar final ainda está em aberto.

Fonte: Folha de S.Paulo

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