Mais um rasante sobre Porto Alegre

Escrevo a bordo de um voo que me traz de Porto Alegre a São Paulo, enquanto minha mente viaja no tempo relembrando a cidade que mal conheço há tantos e tantos anos.

Não fui a turismo. E me dei conta de que nunca estive ali a passeio. Desta vez, o objetivo foi conhecer, e prestigiar, um trabalho social de pequeno porte e enorme envergadura que se apoia no ensino de tênis para crianças carentes como meio de inserção social.

Seu público é a comunidade pobre do bairro de Belém Novo, o que levou ao batismo do projeto com uma corruptela divertida do nome do torneio de Wimblendon —no caso, WinBelemDon.

E o evento beneficente anual que realizam, em que chefs de renome preparam diferentes receitas autorais de sopas, vai na mesma linha de humor: imitando o torneio US Open, chama-se Ué?! SOPA!.

Ídolos do tênis brasileiro costumam prestigiar o evento —como Fernando Meligeni e Thomaz Kock. E, nas panelas, este ano participaram Telma Shiraishi, Neka Menna Barreto, Jimmy Ogro, João Diamante. Nas sobremesas, Lucas Corazza, Amanda Selbach e Carole Crema (bolo de coco gelado).

Missão cumprida, constato que mais uma vez não visitei a cidade. Assim vem sendo ao longo de décadas. Minhas memórias mais antigas são dos tempos da ditadura militar, quando viajava para participar de reuniões clandestinas a portas fechadíssimas ou, no máximo, reuniões mais públicas, mas restritas aos campi universitários.

A época rendeu-me alguns amigos queridos —entre os quais, amigas que ademais aqueceram meu coração e corpo com amizades coloridas— e que o tempo e a distância confinaram hoje à doce névoa das lembranças.

Uma lembrança de época é como eu ficava abismado de uma mesma cidade poder ser tão fria no inverno e tão sufocantemente quente no verão.

Também observava que as casas, além de aconchegantes lareiras ou aquecedores (raros em São Paulo), tinham portas e janelas hermeticamente encaixadas, impedindo perda do calor (enquanto em São Paulo as frestas gigantescas entre as bandeiras das janelas eram um convite à invasão do ar gelado).

Providências anti-inverno que mais tarde eu veria que eram comuns —aliás, óbvias— nos países frios da Europa e também da América do Sul.

Anos mais tarde, minhas visitas a Porto Alegre passaram a ser motivadas pelo trabalho de jornalista gastronômico. Novamente, nada de Turismo. Ou estava de passagem, a caminho da serra Gaúcha ou da fronteira, para escrever sobre vinhos; ou ia conhecer restaurantes para escrever alguma reportagem, ou para votar em alguma premiação.

Nestes casos, aproveitava para mirar a gastronomia local, cuja variedade foi com o tempo se ampliando, o que achava bom, pois o churrasco, tão típico, sempre me parecia passado demais.

Mas, de tantos voos rasantes, algo sempre se aprende. Por exemplo, conheci o orgulho dos altivos gaúchos, que às vezes pode ser cômico, mas que em boa parte admiro.

Não a ponto de incentivar movimentos separatistas que por ali despontam —para isto sempre tive um antídoto: basta argumentar que, se querem a independência em razão de seu caráter mais gaúcho do que brasileiro, para ir às últimas consequências deveriam separar-se do Brasil e fundar uma autêntica república gaúcha, o que significa unificar-se com a Argentina.

Neste ponto sempre mudam de assunto, não sei por quê. Eu adoro a Argentina, embora lá também, como do lado de cá da fronteira, a carne do churrasco costume estar além do ponto, para o meu gosto.

Finalmente, devo recordar que, da minha parca experiência, não há programa melhor em Porto Alegre (afetivo, intelectual, gastronômico) do que jantar com o casal Lúcia e Luis Fernando Veríssimo —ele com seu sorriso tímido e sábio (pois que já escreve e toca, só faltava também falar), ela interpretando em voz alta toda a sabedoria da dupla.

Fonte: Folha de S.Paulo

Marcações: