Meu destino é aqui

“Eu ainda vou morar aqui.” Diga que você nunca soltou essa frase, mesmo que em pensamento, quando visitou uma locação especial no mundo ou no Brasil, e eu vou afirmar que você está mentindo.

Se me lembro bem, a primeira vez que fiz essa afirmação foi em Londres, quando tinha 16 anos e vivia em função do rock alternativo inglês do início da década de 1980. Um lugar onde eu poderia escolher pelo menos um show por semana e ainda conseguia ouvir os programas de rádio com as bandas que eu mais amava? Claro que era onde eu queria morar!

Ainda naquela década, fui viver em Nova York, como correspondente (“júnior”) desta mesma Folha. Seis meses na cidade e eu tinha tomado a decisão de que o que havia experimentado naquele período de trabalho era o que eu queria para o resto da minha vida.

Por pouco não rompi o acordo com o jornal e fiquei lá de vez. Tinha uma proposta de trabalho na ONU para a Rádio Moçambique e, olha, foi por pouco que não desisti de tudo.

Em 1998, vivi uma paixão inusitada: São Tomé. Gravando uma série sobre países que falavam português, visitei a ilha africana e fiquei absolutamente encantado. Remota, simples, tranquila e tropical. E com a promessa de Príncipe ser ainda mais idílica. Meu destino, tive certeza, era ali.

Aí, no começo dos anos 2000, retornei a Buenos Aires, depois de décadas. Em plena crise econômica, senti uma efervescência cultural na capital argentina que me fisgou. Cheguei até a ver preço dos imóveis, que estava bem baratos, mas acabei acertando meu amor pela cidade em suaves prestações, que pago até hoje com gosto.

Descobri então o Sudeste Asiático, em meados daquela mesma década, e minha primeira escolha para viver foi Bangcoc. Ainda tenho recaídas de querer me mudar para lá, mas depois que fui a Luang Prabang, ali ao lado, no Laos, elegi esse pequeno canto do mundo para eu passar “meus últimos dias”.

Foi quando todos os meus planos foram atropelados por Paris. Conheci a cidade lá atrás, na mesma época em que fiquei fascinado por Londres. Depois disso, fui dezenas de vezes para lá.

Mas, em 2011, por uma sucessão inesperada de eventos, tornei-me dono de um “pied-à-terre” (apartamentinho) na capital francesa e achei que a história do meu futuro já estava escrita.

Eis que no “annus horribilis” de 2020 eu me vi mais uma vez fazendo aquilo que o GPS chama de “recalculando”. Encontrei um novo “endereço da minha vida”. E nem precisei ir muito longe.

Em dezembro último, estive no Rio Grande do Norte, gravando uma série de reportagens sobre outros destinos que o estado tem. Natal, claro, é a referência mais forte, e Pipa, mais recentemente, tornou-se um grande ímã para o turismo também.

Mas eu estava lá pra descobrir atrativos diferentes, desde a belíssima Pedra do Sapo, no interior potiguar, ao paraíso relativamente secreto de São Miguel do Gostoso. Como eu já previa, cada canto que eu visitava me seduzia de uma maneira diferente.

Já disse mais de uma vez aqui que sou mais uma pessoa de turismo urbano do que de natureza. Na dúvida, vou preferir sempre um city tour a um passeio de aventura. Mas quando a paisagem fala mais alto eu escuto.

Então um dia eu cheguei em Galinhos.

Tecnicamente, trata-se de uma península, mas se você quiser achar que está numa ilha, tudo bem. Sim, é possível chegar de carro, mas desembarcar lá de balsa foi a primeira coisa que fez meu coração bater forte.

Logo senti que estava longe de tudo, do agito das praias badaladas, dos encontros previsíveis, das armadilhas do turismo organizado. Eu estava bem perto do paraíso —e quem disse que queria sair?
Fiquei menos de um dia em Galinhos, entre reportagens e números musicais. Passei por pousadas deliciosas, a maioria de estrangeiros —eles sempre chegam antes, né? E vi o Sol se pôr como uma encomenda de beleza, um antídoto para a feiura que sempre nos ameaça.

Nada de mais. Também nada de menos. Só um novo cenário para sonhar.

Adivinha onde eu quero morar agora?

Fonte: Folha de S.Paulo