É uma manhã ainda escura, mas já quente no aeroporto de Miami. A fila para passar pela imigração é longa, e uma confusão de malas toma os corredores do local. A poucos minutos dali, cruzeiros colossais fazem fila no porto, à espera dos viajantes que embarcarão mais tarde. Nas ruas, o trânsito não é tão intenso, mas coleciona placas de diferentes estados.
A pandemia ainda não acabou, mas dá para ver que a cidade da Flórida, no sul dos Estados Unidos, já recebe ansiosa um grande número de turistas, na medida em que as normas anti-Covid se afrouxam e suas atrações se reinventam.
Falamos, afinal, de uma Miami que já vinha tentando se desprender do rótulo de destino de compras, investindo em bares, restaurantes e museus de primeira linha. O processo é anterior à pandemia, mas parece ganhar força em boa hora, já que, após meses de confinamento e viagens canceladas, muita gente quer juntar um número diverso de experiências num único destino.
Apresentar essa Miami mais jovem e descolada é o desafio do Greater Miami Convention & Visitors Bureau, associação de promoção do turismo local que, após um longo período de hibernação, tenta vender uma outra imagem da cidade, especialmente aos brasileiros, para quem as praias do local têm pouco poder de atração e que enfrentam, agora, um dólar alto que impossibilita o frenesi capitalista que estimulava muitos voos para lá.
Esse conceito, de uma Miami cultural e pluralista, se reflete até mesmo na ala hoteleira, que tem apostado em hotéis boutique com mais personalidade e exclusividade. Na região sul de Miami Beach, por exemplo, esses empreendimentos têm ocupado os edifícios de art deco que formam a paisagem litorânea icônica da cidade.
Cientes da enorme presença latina em Miami –tanto entre moradores, quanto entre turistas–, hotéis como o The Balfour, de sócios brasileiros, investem numa ambientação mais imersiva e menos genérica, com samba saindo dos alto-falantes, chapéus de praia colombianos disponibilizados nos quartos e azulejos importados revestindo os banheiros.
Como parte de uma profunda renovação, o local também prepara um restaurante, para não ficar para trás na onda gastronômica que toma a cidade. Essa, também, parece querer mimetizar a latinidade de Miami, numa era em que a diversidade cultural é defendida –e vendida– com afinco.
É fácil encontrar comida mexicana e cubana por ali, seja nas pequenas portinhas de regiões modestas, entre os muros grafitados de bairros descolados ou em terraços luxuosos de novos e gigantescos centros de compras.
Se a ideia é ter autenticidade, a região de Little Havana é a mais indicada. Reduto de imigrantes cubanos, ela parece estar deslocada do espaço-tempo. Nas ruas, um simpático senhor vende amendoins torrados enrolados em um cone de papel, enquanto ondas imensas de fumaça tomam as calçadas em frente às várias lojas de charuto.
Salsa e bolero envolvem os pedestres e se embaralham com o barulho das peças de dominó jogadas por uma coleção excêntrica de velhinhos no Domino Park. Uma espécie de praça cheia de mesinhas, é ali que a terceira idade latina de Miami passa horas e mais horas diariamente.
Tudo é muito peculiar e deve soar, em parte, familiar ao turista brasileiro. É possível, por exemplo, comer versões cubanas de pastel ou misto quente em restaurantes como o Ball & Chain e o El Pub, acompanhados de “sugar cane juice” –o famoso caldo de cana– ou de um café forte, que em nada lembra a bebida ultradiluída servida pelos americanos.
Se a ideia é buscar refeições latinas com um toque de modernidade e jovialidade, então os hotéis e shoppings mais sofisticados de Miami despontam como opção. Em noites quentes, o Serena, no rooftop do hotel Moxy, acomoda seus comensais em sofás coloridos e mesas metálicas de jardim, enquanto letreiros néon e luzinhas penduradas destacam os drinques e pratos.
Mas, se chover, o CH’I, no imponente shopping Brickell City Centre, se mostra acolhedor com seu ambiente que lembra um speakeasy, escondido atrás de uma enorme porta. Ali são servidos pratos que misturam gastronomia latina e chinesa, também sob luzes fluorescentes e coloridas.
Já nos arredores do Wynwood Walls, o Bakan é outro a apostar nos ingredientes mexicanos, em um ambiente mais despojado, que combina com a luz do dia, e que serve de parada para quem caminha pela região, que atrai turistas com sua arte urbana.
Na cola da Art Basel de Miami, uma das mais importantes feiras de arte do mundo, outras iniciativas contribuem para a nova imagem de uma Miami artística que as agências e associações de turismo querem promover. Os murais de Wynwood Walls –que atualmente hospedam um grafite do brasileiro Eduardo Kobra– já se tornaram parada obrigatória na cidade, mas há vários outros endereços para quem busca um tipo de turismo mais erudito.
Talvez o principal seja o Rubell Museum, uma coleção de arte privada que acaba de mudar de sede para poder exibir uma porção maior das cerca de 7.000 obras coletadas pelo casal que dá nome ao museu.
Há mais de cinco décadas, os Rubell vêm arrematando peças de artistas iniciantes, apostando em nomes ainda desconhecidos e vendo os zeros se enfileirando no valor de sua coleção com o passar dos anos. Hoje, ela inclui artistas disputados e caríssimos, como Yayoi Kusama, Jean-Michel Basquiat, Keith Haring, Jeff Koons e Damien Hirst.
Ao mudar de endereço, a família comprou uma série de galpões nos arredores do Rubell Museum, a fim de ter certo controle em relação ao tipo de empreendimento que se instalaria por ali. A ideia é que a região floresça como um novo distrito de arte –uma galeria de fotografia deve ser inaugurada em breve e o Superblue, dedicado a obras imersivas e interativas, abriu uma sede por ali.
Miami parece estar a todo vapor em sua busca por reinvenção. Falamos, afinal, de um dos principais destinos turísticos dos Estados Unidos, tanto para americanos, quanto para estrangeiros –os níveis pré-pandemia de visitantes internacionais extrapolavam facilmente os 5 milhões anuais.
É uma cidade com um forte poder de atração, fixada na cultura popular graças a personagens reais, como Gianni Versace, cuja icônica mansão em Miami Beach se tornou hotel e restaurante, e ficcionais, como Tony Montana, o mafioso de “Scarface”, e os detetives Crockett e Tubbs, de “Miami Vice”.
Miami já era uma cidade sexy, de descamisados com o abdômen trincado se exercitando à beira da praia a mulheres com os cabelos ao vento dirigindo conversíveis. Mas, agora, ela tenta potencializar seu poder de atração, seduzindo turistas com as mais variadas intenções e mostrando que tem muito mais a oferecer, além das sacolas de compra e da costa azulada.
O repórter viajou a convite do Greater Miami Convention & Visitors Bureau
Fonte: Folha de S.Paulo