Novo terminal marítimo vem trazendo um número recorde de turistas à capital portuguesa. Mas prosperidade turística também gera enormes níveis de poluição e riscos à saúde, que o governo local ainda opta por ignorar.
As empresas de turismo de Lisboa estão vivendo tempos áureos: as receitas aumentam em meio ao boom que traz jovens europeus à capital portuguesa, atualmente um dos destinos mais badalados da Europa.
Nos últimos cinco anos, as chegadas de turistas cresceram espantosos 81%, alcançando 30 milhões em 2018, em parte graças a um novo terminal portuário para navios de cruzeiro inaugurado há dois anos em Lisboa. Cerca de 300 desses gigantes dos mares fazem escala no novo porto todos os anos. Estima-se que pelo menos 600 mil passageiros lá embarcarão ou desembarcarão em 2019.
No entanto, o turismo de massa em Lisboa está se revelando uma bênção e uma maldição, observa Francisco Ferreira, da associação ambiental Zero: “Ao contrário de outros aeroportos europeus, como o de Frankfurt, o terminal de Lisboa tem poucas restrições aos voos noturnos. E as limitações de voo existentes são amplamente ignoradas.”
Medições dos níveis de ruído nas áreas urbanas próximas ao aeroporto, realizadas pelos ativistas da Zero, revelaram que eles excedem em muito os limites legais. “Os aviões passam a apenas 100 metros acima dos telhados das casas. As pessoas que vivem nesses locais não têm um minuto de sossego durante a temporada de férias de verão”, conta Ferreira, lamentando ainda a enorme poluição causada pelas emissões das aeronaves.
No outro extremo da cidade, às margens do rio Tejo, a poluição não é menor. Especialmente desde que o novo terminal portuário, no valor de 50 milhões de euros, foi inaugurado em 2017, os lisboetas vêm sofrendo com as emissões de dióxido de enxofre, que fizeram do porto de Lisboa o sexto mais poluente de toda a Europa: elas foram 86 vezes superiores às emissões de todos os automóveis que circulam em Portugal.
Ferreira diz que o crescimento explosivo do turismo de cruzeiro está sobrecarregando com níveis intoleráveis de ruído e emissões especialmente quem vive na parte histórica de Lisboa. E as autoridades fecham os olhos para o problema: “O governo está sempre falando de sustentabilidade e neutralidade das emissões, mas não faz nada quanto à situação” em Lisboa.
Ele deduz que a inércia é motivada por o turismo ter se tornado uma das principais fontes de arrecadação do país em crise, gerando atualmente mais de 15 bilhões de euros em receitas públicas. O novo porto recebe praticamente um cruzeiro por dia, tendo se tornado numa estação frequente para os navios das Ilhas Canárias e do Atlântico Norte. Mas, apesar de nova, sua infraestrutura não está à altura das normas do setor.
Ao contrário de muitos outros terminais, o de Lisboa não fornece eletricidade aos navios. As autoridades só exigem que as empresas usem óleo diesel para gerar eletricidade, em vez de óleo combustível pesado, quando seus navios estão atracados no local.
E as estações de medição para monitorar emissões só serão instaladas quando as autoridades da União Europeia exigirem e, claro, concederem subvenções para o investimento, insistem as autoridades.
Nesse ínterim, os governos local e nacional estão fazendo de tudo para manter viva a onda de prosperidade turística. No aeroporto, elas ignoram os limites de poluição e de capacidade, afirma o Ferreira da Zero. “Com grande frequência as autoridades permitem mais de 26 voos noturnos, 30 voos não são exceção. Há cada vez mais gente procurando nossa ajuda para mudar essa situação.”
Mas os ministérios responsáveis pelas áreas de aviação e assuntos marítimos não se preocupam. O Ministério do Ambiente declarou à DW que está garantindo o cumprimento de todas as leis que regem as emissões do tráfego aéreo. Por sua vez, o ministério responsável pelo porto de Lisboa não vê violação dos níveis de emissão pelos navios de cruzeiro.
De acordo com Francisco Ferreira, contudo, nova prova da negligência do governo português nas questões ambientais são os planos para construção de um segundo aeroporto no centro da capital, na margem sul do rio Tejo, perto de uma importante reserva natural e de pássaros.
“Em seu estudo de avaliação ambiental, o governo ainda sequer procurou locais alternativos. Ele está determinado a forçar sua decisão de construir outro aeroporto no centro da cidade, sem discussão pública”, acusa o ambientalista.
Construir um segundo aeroporto em Lisboa é considerado mais barato do que erguer um terminal aeroportuário maior e mais afastado na capital. Mas a expectativa é que esse segundo aeroporto criará para a população os mesmos problemas de ruído e poluição que o já existente.
Fonte: Folha de S.Paulo