O Brasil melhor na fita?

Que coisa: de repente, em duas colunas seguidas, é a televisão que me inspira a escrever.

Outro dia contei como me maravilhei em Manaus, vendo notícias sobre enchentes e vazantes de rios interferindo na vida da população urbana. Agora estou mais ao norte, em Mérida, na incrível península de Yucatán (no México), e quem vejo na televisão é o Brasil.

O jeito como as pessoas de fora veem o nosso país já foi objeto de comentários meus aqui, anos atrás, ainda no começo da hecatombe neofascista do futuro presidiário (não custa torcer) Bolsonaro.

As notícias de hoje, emanadas da TV que inferniza o café da manhã do hotel (e que acompanhei nesta última terça-feira 15), falam da reunião sobre o clima no Egito com a manchete: “A perspectiva é boa e se espera que Lula consiga um consenso positivo”.

Fez-me rever mentalmente as fases pelas quais passou a imagem do Brasil, pelo menos segundo o meu testemunho.

No começo, era aquela caricatura de sempre, futebol, caipirinha, praias, mulheres. As comunicações eram mais precárias, muita gente sabia quem era Pelé, mas não tinha ideia sobre em que hemisfério ficava o Brasil, muito menos o que se passava ali.

A tal ponto que me parabenizavam por nosso futebol, mas não tinham visto a sinistra figura do general Médici, que recebera a seleção de 1970 com as mãos encharcadas de sangue.

Como minhas viagens —iniciadas dez anos depois— me levavam a conhecer pessoas cultas e politizadas, o flagelo brasileiro era por elas conhecido. Mas, para o resto, Brasil era só alegria.

Só com o fim da ditadura nossa imagem começou a mudar. Lá com uns vinte anos da redemocratização, a admiração generalizada pela alegria, futebol e praias do Brasil começou a colar também numa esfera, digamos assim, mais séria —a da política.

Foi a partir dos anos 2000, final da era Fernando Henrique e início dos governos Lula, já com uma comunicação muito mais rápida e globalizada, que meus interlocutores (inclusive ocasionais, tipo motorista de taxi) passaram a falar do Brasil como um lindo país, sim, mas especialmente como um país promissor, pujante, um gigante se erguendo finalmente.

Uma das maiores economias do globo, uma democracia estável, um campeão no combate à fome e no sistema de saúde. Dava até orgulho.

Aí veio a eleição de 2018. Um ex-tenente terrorista (que só virou capitão para poder seguir os trâmites de ser enxotado do exército por camaradas complacentes), popularmente conhecido entre seus pares como Cavalão, virou presidente.

Aí para a população brasileira começou um inferno, inclusive para este pobre viajante incapaz de explicar em poucas palavras e muitas línguas como isto havia acontecido com este país alegre e promissor.

A esta altura, você pode estar pensando: mas por que este colunista está chutando cachorro morto a esta altura do campeonato, quando o demônio já está exorcizado? A resposta vem também pela TV.

Pois, finalizando meu café da manhã, que começara com as notícias otimistas do presidente eleito na conferência do clima, ela voltou a falar do Brasil. Desta vez com imagens mostrando hordas de fanáticos fantasiados de Robinho (ou algo assim) prestando continência a pneus de caminhão ou marchando como gansos (ou gado) em frente a quartéis pedindo golpe contra a democracia.

“Protestos contra os resultados eleitorais”, dizia a manchete na TV, enquanto o locutor incrédulo relatava que não houvera nenhum indício de irregularidades na eleição. Pois é.

Por melhor que o Brasil venha a ficar na fita, pelo jeito vai continuar muito difícil a nós, viajantes, explicar ao mundo —e a nós mesmos— que enrascada é esta em que nos metemos.

Fonte: Folha de S.Paulo

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