O centro de São Paulo tem salvação?

Li, imerso em desalento, a notícia do fechamento do restaurante Jaguar, a 90 segundos de caminhada da sede desta Folha. Fechamento temporariamente temporário –a depender do avanço ou retrocesso da ruína no centro de São Paulo.

Não tenho uma história com o Jaguar. Estive lá apenas uma vez, nada que tenha causado impressão forte. Mas tenho uma longa história com o centro, e dói demais atestar que a tal da “revitalização” naufragou de novo.

Dez ou 15 anos atrás, parecia que o centro iria finalmente decolar. O casal Rueda fincou bandeira em territórios estratégicos e atraiu mais gente para abrir bares e restaurantes na região.

Até eu investi (perdi) dinheiro numa casa que agora jaz no purgatório dos maus negócios. Tínhamos empolgação, queríamos ocupar o miolo da cidade. Virada Cultural, música e vinho químico na veia.

Durante aquele surto maníaco nas cercanias da República, a cracolândia estava onde sempre estivera, contida, cercada, monitorada, criando pus.

E que a verdade seja dita: nem no auge do hype o centro deixou de ser imundo, difícil, meio suspeito ou francamente hostil. Quando minha filha se mudou com a amigos para a praça das Lagostas, suspirei em resignação impotente.

Aí veio o declínio de uma região que nunca ascendeu de fato. O voo de galinha do centro paulistano foi perdendo sustentação na mesma medida em que o país afundava no lodaçal político, econômico e social.

O que resiste de entretenimento no centro está cercado pela mais absoluta miséria.

O luxuoso restaurante Priceless, colado no viaduto do Chá, vende alta gastronomia e glamour para quem chega, de carro blindado, por um acesso exclusivo dentro da garagem do Shopping Light. Protegida dos sem-teto do Anhangabaú e seus cobertores cinzentos com cheiro de urina.

Semanas atrás, fui com amigos a um restaurante na divisa dos Campos Elíseos com o Bom Retiro, a uma quadra de onde ficava a cracolândia raiz. O fluxo ainda estava lá, encerrado como animais selvagens por um bloqueio policial.

Então caminhamos ao longo das avenidas Rio Branco e Ipiranga até sentarmos nossas bundas na calçada de um bar na São João –não aquele mais famoso, o vizinho dele. No trajeto, esquivávamo-nos de pessoas desfalecidas, de suas fezes e de bueiros sem tampa. Aparentemente, o metal é usado como moeda para comprar crack.

A dispersão dos dependentes liberou o tráfego em duas quadras perto da Júlio Prestes, mas expôs todo o centro a uma infecção que antes era localizada.

A migração constante dos pobres-diabos terminou de afugentar a clientela de vários estabelecimentos. O Jaguar, na Duque de Caxias, foi vítima colateral da operação da polícia.

O centro de São Paulo vive uma calamidade social e urbanística. O centro está que é só dor e sofrimento. Sua salvação, se é que há uma, não passa por medidas higienistas simplórias. E não vai acontecer na virada de sábado para domingo.

(Siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais. Acompanhe os posts do Instagram e do Twitter.)

Fonte: Folha de S.Paulo