O vírus é meu date no Dia dos Namorados

Eu tinha planos para o Dia dos Namorados, mas precisei mudá-los.

O Dia dos Namorados é uma data que solteiros, separados e encalhados em geral adoram achincalhar. Para começar, pela sua origem escandalosamente marqueteira: o publicitário João Agripino Doria, pai do ex-governador de São Paulo, inventou essa história em 1949 para ajudar o comércio em junho, então um mês fraco para os lojistas.

É um despudor de breguice, esse tal de Dia dos Namorados. Morangos e flores saindo por todos os orifícios, doces em forma de coração, cascatas de chocolate e cachoeiras de espumante doce.

A noite do 12 de junho existe para se pegar fila na porta do motel, do Paris 6, do Coco Bambu e do Era Uma Vez um Chalezinho, onde casais voluntariamente esfolam suas contas bancárias para comer fondue.

Fondue, taí um negócio de que eu sinto falta. Costuma ser caro e ruim, mas também pode ser bom e mais caro ainda –se você comprar os queijos que nenhum restaurante usa. E nem precisa ser um ritual romântico: o fondue nasceu como uma refeição comunitária de camponeses para aproveitar queijo velho.

Esse espírito de camaradagem fica um pouco complicado em tempos de pandemia. Meter o garfo na panelinha borbulhante é algo que você só deve fazer com quem já compartilha a saliva em situações mais lúbricas.

O que resta ao solteiro, então? Gastar 80 contos num fondue de caixinha vagabundo em comê-lo sozinho, tristemente, à luz de lâmpada de LED e ao som de Reginaldo Rossi? Não, melhor se abster do fondue.

Sem fondue nem namorada nem mágoas, eu tinha planos para o Dia dos Namorados.

Planejava um domingo absolutamente normal com meu filho de 9 anos. Programação caseira, filminho na TV e jogos de tabuleiro, sem encarar a selva de apaixonados nos restaurantes. Mas aí veio a Covid, e eu precisei me isolar. O vírus será meu date neste 12 de junho.

Tive dois anos e três meses de invencibilidade, comecei até a desconfiar que eu fosse, de alguma forma, especial. Adivinha só: não sou. Aqui estou eu, com o corpo entregue à doença, que me castiga na cama como poucas fizeram antes.

Brincadeiras à parte, desenvolvi sintomas leves, graças às três doses de vacina.

O coronavírus não é o date ideal –muito pelo contrário, cabe-lhe perfeitamente a expressão “antes só do que mal acompanhado”. Enxotá-lo da minha vida não é uma opção, infelizmente.

O jeito é esperá-lo ir embora e, enquanto isso, a sensatez manda respeitá-lo. Mais: há de se negociar uma convivência possível com o intruso. Levando-se em conta que ele sempre tem razão.

O vírus vetou terminantemente o vinho que eu pretendia tomar neste fim de semana. Nossos jantares serão à base de água, muita água.

Febril, tentei convencê-lo de que o fondue seria uma boa ideia, afinal tenho uns queijos bacanudos dando mole na geladeira. Mas o vírus me devolveu à razão. Nada de fondue. Ele exigiu sopa. Sopa o vírus terá.

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Fonte: Folha de S.Paulo