Onde estão os negros no turismo?

Quando George Floyd foi assassinado há exatos dois anos, nos Estados Unidos, o antirracismo tornou-se pauta urgente e as empresas de muitos setores parecem ter entendido que precisam “se mexer”. No turismo, não houve, no entanto, ações contundentes que afastassem o fantasma do racismo do setor e que incentivassem os negros a viajarem mais, ou se verem representados no setor, no comando de empresas e eventos ou, simplesmente, não sofrendo discriminação racial enquanto tiram férias.

Basta fazer o chamado “teste do pescoço”, em que você olha para o lado e conta quantas pessoas negras estão presentes em um determinado lugar, para perceber que a quantidade de negros viajando é sempre muito aquém do percentual de negros na população brasileira: 56%. Num voo entre São Paulo, a cidade com mais negros no Brasil, cerca de 4 milhões, para Salvador, a capital com o maior percentual de negros, cerca de 80% da população, ainda dá para “contar nos dedos” a quantidade de pessoas de cor preta ou parda entre passageiros e tripulação.

O mesmo vai se repetir em homenageados por monumentos históricos, atrações turísticas, restaurantes mais badalados e por aí vai. Não há uma pesquisa que mostre dados sobre o número de negros brasileiros que viajam para o exterior ou que ficam hospedados em hotéis. Naquela longa ficha que preenchemos ao chegar numa hospedagem, não há um campo para: cor (alô, Ministério do Turismo!). Talvez, não seja de interesse do setor hoteleiro ter esses dados para não mostrar esse fosso social, numa separação que, em 2022, ainda remete à casa grande e senzala.

Os hotéis, aliás, têm se esforçado para serem acessíveis às pessoas com deficiência, alguns fazem capacitações para melhor receber a população LGBTQIAP+, mas ainda resistem a ter letramento racial para receber os negros, de forma hospitaleira, em suas estruturas. “Tratamos todos iguais”, dizem. Num país racista, que insiste que não é, isso sempre dá errado. A Lei Afonso Arinos, de 1951, a primeira que proíbe a discriminação racial no Brasil, só foi proposta após um incidente. A bailarina norte-americana Katherine Dunham foi impedida de se hospedar num hotel luxuoso de São Paulo por ser negra, como bem lembrou o hoteleiro Hubber Clemente no podcast “Afroturismo, o movimento“.

De lá para cá, vários incidentes como esse ainda são frequentes em hotéis, como o que ocorreu em janeiro desse ano, quando um produtor cultural norte-americano nocauteou um homem, dentro do hotel Hilton no Rio de Janeiro, após sofrer insultos racistas. A maioria dos donos e gerentes da rede hoteleira são brancos, o que também se replica nas pequenas e grandes agências de turismo; nas companhias aéreas; nas feiras do setor; nas revistas especializadas; nas editorias de turismo dos jornais e revistas; chegando aos produtores de conteúdo na internet, os blogueiros de viagem – todos muito bem acomodados em achar que o antirracismo não deve ser uma preocupação deles, o que mostra que o turismo é atingido em cheio pelo racismo estrutural.

Um problema estruturante da sociedade brasileira de difícil equação, mas que precisa ser superado. Diante da complexidade, fica a pergunta: quais são as empresas do turismo que estão, de fato, trabalhando o antirracismo? Abav e WTM, por exemplo, que são, respectivamente, a maior entidade representativa do setor e o maior evento sobre viagens e turismo da América Latina, insistiram em deixar negros de fora de suas estruturas e programações, mas estão tendo que fazer a lição de casa e reverem seus trabalhos.

Ainda há muito a ser feito para que o setor avance nesse quesito. Mas, uma certeza temos: não dá mais para o turismo ignorar as pessoas negras e cada um dos setores precisará fazer seu papel para serem mais inclusivos, atraírem mais diversidade e serem, verdadeiramente, espaços em que nós, negros, possamos turistar e não nos preocuparmos com o racismo.

Fonte: Folha de S.Paulo

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