Pelourinho, em Salvador, pede ajuda contra abandono pós-verão

O Pelourinho, maior atrativo turístico e cultural de Salvador, que pulsa no verão, ganha agora ares de abandono. Ao cair da luz, o vai e vem de pessoas vai dando lugar às ruas vazias, lojas fechadas e pouco ou nenhum atrativo cultural. Num país pós-pandemia do coronavírus, que contribuiu para mais pessoas sem trabalho e para o aumento da fome, os relatos de furtos e assaltos, alguns com violência, se tornam ainda mais frequentes.

Os comerciantes negros que abriram negócios e ajudaram a transformar a cena nos últimos dois anos reclamam ainda de falta de incentivo do poder público e seguram as pontas para manter seus negócios abertos.

É importante lembrar que apesar de ter 80% da população se autodeclarando negra, Salvador tem o poder e o empresariado bastante embranquecidos. Os afroempreendedores fazem parte, portanto, de uma geração com consciência racial, que busca autonomia e faz negócios em que há circulação de dinheiro entre pessoas negras, o chamado black money.

O local conhecido por ter sido o centro econômico da primeira capital do Brasil e que ganhou o apelido do poste onde os negros eram açoitados, se transformou em local turístico e cultural, sem conseguir abandonar os gritos de dor e a resistência necessária para passar pelos períodos difíceis.

O publicitário Paulo Rogério Nunes, co-fundador da aceleradora de negócios Vale do Dendê, que tem sede no centro histórico, fez uma postagem em rede social na última semana manifestando indignação pelo descaso das autoridades com o local que é tombado como patrimônio da humanidade pela Unesco. “Estou cansado de receber ligações de pequenos negócios buscando apoio no desespero, pois precisam demitir e até fechar as portas (…). O motivo: as praças do Pelourinho sem programação fixa, a segurança que só ‘funciona’ no verão, a falta de planejamento e coordenação entre os entes públicos”, ressalta.

A falta de divulgação das atrações do Pelourinho acaba afastando turistas e moradores. Paulo Rogério questiona ainda por que os poderes públicos não realizam suas reuniões e atividades no centro histórico e reforça que Salvador não pode ser apenas uma cidade de verão. “A situação está dramática e não podemos aceitar mais desculpas”, reforça.

Para ele, Medelín, na Colômbia, e Nova York são exemplos de cidades que conseguiram driblar a violência e transformar locais considerados perigosos em lugares turísticos, culturais e criativos, com grande potencial econômico.

Já o ator e empresário Erico Brás lembra que antes mesmo de abrir o Restaurante Ó Pai Ó tem uma relação umbilical com o lugar, uma vez que sua bisavó foi alforriada e viveu por lá e que ele próprio nasceu como artista no Bando do Teatro Olodum, que tem sede no centro histórico. “Hoje existe um descaso. O Pelourinho está sujo, abandonado, não tem programação e há insegurança devido ao pouco policiamento”, detalha.

A situação de violência crescente tem afastado turistas e moradores. “Não consigo entender como a Secretaria Segurança Pública não toma medidas. A quem interessa o centro histórico ficar dessa forma?”, questiona, lembrando que muitos empresários estão fechando as portas. “Eu demiti algumas pessoas, mas tenho segurado meu negócio aberto mesmo sem lucro”, revela.

Ao longo da história, recorda Brás, artistas internacionais como Jimy Cliff, Paul Simon e Michael Jackson identificaram a nobreza e ajudaram a divulgar as belezas das pequenas vielas de paralelepípedo ladeadas de casarões antigos coloridos. “Mas o poder público baiano não consegue valorizar. É preciso entender que o turismo traz dinheiro e movimentação”, ressalta.

O sonho de Erico Brás é ver o Pelourinho como um local em que os turistas possam frequentar, um ponto turístico que conta e preserva sua história, além de fomentar a cultura e gerar emprego. “É um local com muitos artistas, blocos afros, empresários, além de moradores. Ao mesmo, há uma série de prédios fechados por falta de vontade política”. Mesmo com o cenário adverso, o empresário diz que não vai desistir do negócio. “Vamos lançar a campanha ‘o Pelourinho é nosso’ convocando artistas e população para declarar a importância desse espaço”, afirma.

Para a empresária Mônica Tavares, que é sócia do Malembe Bar e Restaurante e do Restaurante Roma Negra, a polícia militar não tem atuado de forma efetiva e há uma sensação de impunidade e de insegurança. “Está cada dia pior”, descreve.

Além disso, ela sente falta de programação cultural nas praças públicas. Hoje, os dois negócios de Mônica passam por reestruturação. Enquanto o Malembe está fechado e estuda uma retomada a partir de maio, o Roma Negra encerrou o atendimento diário e vai receber eventos e reservas especiais, como medida para conter custos.

As reestruturações são reflexo do baixo movimento da região e da complexidade de manter negócios, sendo empreendedora negra, uma vez que não há crédito garantido e nem caixa o suficiente para atravessar os momentos de baixa como o atual.

Mesmo num momento complexo, a empresária lembra que a capital baiana possui um potencial tecnológico e criativo único, que precisa ser estendido para o ano todo. “Vamos lutar para manter nossos empreendimentos abertos, continuar empregando pessoas, sendo espaços de cultura e de afeto para a população negra”, diz.

Já o empresário e diretor de teatro de cinema Rodrigo França lembra que a situação do Pelourinho é similar à de outros centros comerciais de grandes cidades brasileiras. “Tem empobrecimento, miséria e violência, sem contrapartida do governo para poder organizar, o que causa um grande abandono”, avalia.

No caso de Salvador, França acredita que o governo só investe em grandes festividades, como Carnaval e Festa Junina, mas dá menos atenção do que deveria no restante do ano em um local com vocação natural para ter turistas o ano todo. “O poder privado está fazendo o trabalho do Estado de atrair turistas, enquanto o poder público tem corroborado para o estereótipo criado de que o Pelourinho é um lugar inseguro”, diz.

A falta de apoio dos governos é vista como um fator decisivo para que os negócios não sigam adiante. “Os empreendedores negros têm dificuldade em receber recursos, o que faz com que a gente entre no ringue de forma desigual”, considera.

O Restaurante Consulado Rosa Malê, que funcionou durante oito meses, fechou as portas. “Estamos avaliando o cenário, mas acreditamos que a comunidade precisa abraçar esses lugares, exercer o black money (circulação de dinheiro na comunidade negra). Se não podemos contar com o poder público, temos que incentivar o consumo nos empreendimentos pretos”, diz França.

Então, fica o convite: que tal consumir dos empreendedores negros de Salvador?

OUTRO LADO

A Prefeitura de Salvador afirma, por meio de nota, que desde o agravamento da situação no Centro Histórico de Salvador vem trabalhando num plano robusto para reforçar toda a atuação do município nessa região. “Esse conjunto de ações, que envolvem todas as secretarias da prefeitura, será anunciado nos próximos dias”, diz, lembrando que a segurança pública é prerrogativa do governo do Estado.

O secretário de Cultura e Turismo de Salvador, Pedro Tourinho, que é morador da região, ligou para a coluna para ressaltar que a situação é complexa e que o programa que será anunciado vai ter diferentes frentes: cultural, social, turística, de moradia, entre outras. “Não dá para ir num ponto só”. A expectativa agora é que o programa dê conta das complexidades do Pelourinho e que inclua entre seus motes o incentivo aos empresários do centro histórico.

Já a Secretaria da Segurança Pública da Bahia ressalta que o Pelourinho e o Centro Histórico de Salvador possuem um grande aparato de forças policiais. “Na região existe o 18° Batalhão da Polícia Militar, com efetivos distribuídos a pé e também em viaturas (Bases Móveis do tipo van, carros convencionais e motocicletas), além da Delegacia de Proteção ao Turista (Deltur)”, informa, lembrando que há sistema de reconhecimento facial, além de ações diárias e negando o aumento de ocorrências na região nos últimos meses.

Fonte: Folha de S.Paulo

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