Por que a alta gastronomia é um luxo insustentável?

Quem nunca teve a impressão de que os preços de um restaurante são “um roubo”?

“Pelo preço desse bifinho, eu compro um quilo de filé e ainda sobra para a cerveja.”

É uma sensação tão natural quanto enganadora. Por mais que a despesa de um jantar possa devastar muitos orçamentos domésticos, para o restaurante a conta dificilmente fecha. Não há nenhum chef de cozinha sentado sobre uma pilha de dinheiro, muito pelo contrário.

Restaurantes são máquinas de dar prejuízo. Os custos vêm de todos os lados, a margem de lucro é baixa, e apenas uma gestão impecável é capaz de manter a nau no prumo.

Como donos de restaurantes geralmente se preocupam mais com o atendimento do que com a gestão, a maioria se endivida e fecha nos primeiros anos de operação.

O problema é ainda mais agudo no segmento da alta gastronomia.

A notícia do fechamento do dinamarquês Noma, superpremiado e superincensado, surpreendeu meio mundo. Não deveria.

Já aconteceu de forma quase idêntica antes, com o espanhol El Bulli. E com um sem-número de restaurantes menos famosos.

Casas como o Noma e o El Bulli têm peculiaridades que as tornam inviáveis economicamente. E um dilema ético que obstrui a saída do sufoco financeiro.

A única saída para se ganhar dinheiro com restaurantes é gerar escala. Por isso, assim que têm alguma folga no caixa, os empresários do ramo abrem filiais e outras marcas.

Alta gastronomia, por sua vez, vende exclusividade.

São casas para poucos clientes, com custos altíssimos. Mais funcionários, arquitetos, iluminadores e assessoria, aluguel caro, insumos caros, mobília de design, investimento em pesquisa, muita perda.

Se um cliente quebra acidentalmente um copo americano, o restaurante entuba o prejuízo. E se for uma taça de cristal de R$ 200? Entuba igualmente.

Claro que esse “seguro” está previsto nos preços da comida, mas há um limite para o desvario nos valores cobrados.

Uma pessoa muito rica talvez não se importe em pagar R$ 30 numa garrafa de água mineral. Já R$ 100 ou R$ 150 vai parecer extorsão até para um bilionário.

Uma parcela significativa dos restaurantes de luxo é mantida, mesmo no prejuízo, para alimentar a vaidade de pessoas ricas –sejam elas as donas do negócio, sejam mecenas que gostam de ter um playground para impressionar outros ricos.

O resto, para sobreviver, precisa recorrer aos mesmos expedientes da gastronomia mundana. Expandir, lançar marcas mais populares, investir na celebridade digital, faturar com licenciamento e publicidade.

É uma solução que traz embutida um problema insolúvel: a imagem do chef semideus sai conspurcada; sua reputação, inevitavelmente desgastada. A exclusividade, premissa do luxo, vai pro beleléu.

Afinal, se o cara anuncia margarina ou cafezinho em cápsula, que tipo de comida ele vai vender por uma grana preta?

Por isso, alguns empacam diante do dilema. Como René Redzepi, do Noma, baixam a porta quando percebem que não dá mais pé.

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Fonte: Folha de S.Paulo