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Região do Douro ganha complexo que exalta vinho e história locais

Cidade portuguesa de 304 mil habitantes separada do Porto pelo famoso rio Douro, Vila Nova de Gaia sediou partes importantes da história local. Por sucessivas guerras —da invasão francesa, em 1807, à guerra civil que opôs os irmãos D. Miguel e D Pedro 4º (1º no Brasil), em 1832—, o município foi retaguarda para os soldados, em grande parte devido ao mosteiro da Serra do Pilar.

Ali também está escrita parte da memória de outro fator importante na história lusitana: o vinho do Porto. É para Gaia, como falam os locais, que a bebida produzida no Douro é transportada para que seja envelhecida, engarrafada e exportada. A função se deve ao clima mais ameno e úmido, consequência da proximidade com o Atlântico.

Os dois fatores —a história nacional e o vinho— dão sentido ao recém-nascido WoW (World of Wine, ou mundo do vinho), projeto que ganha tração à medida que a pandemia de Covid arrefece em Portugal, um dos países mais vacinados do mundo, e permite o retorno dos turistas.

Localizado a poucos minutos a pé da margem do Douro e da ponte D. Luís 1º, o que facilita a mobilidade para quem está hospedado ou quer aproveitar o centro histórico de Porto, o quarteirão cultural reúne sete museus, 12 restaurantes, uma escola de vinhos e uma praça principal.

Os temas dos museus passeiam pelo que de principal há para ser valorizado no distrito do Porto, onde vivem pelo menos 25 mil brasileiros. Fala-se da história do vinho, das indústrias têxtil e da cortiça, do chocolate e da própria região. Com recursos tecnológicos e didática, eles se tornam atrativos para diferentes faixas etárias.

Há ainda espaço para dois museus de proposta curiosa: um que conta a história da humanidade por meio da evolução dos copos e outro —este claramente voltado para a era instagramável— dedicado ao vinho rosé.

Não bastasse a presença do vinho do Porto à mesa e nos museus, a bebida está, de certo modo, nas paredes: o complexo foi construído no que, antes, eram armazéns de vinho em Gaia. Antes do quarteirão, o centro histórico contava com cerca de 30 armazéns, depois levados para áreas próximas dali. O turismo pesou para o afastamento da indústria, mas também houve incentivo público para que caminhões de transporte de vinho deixassem de circular nas estreitas ruas.

Os ingressos para visitar os museus vão de € 20 a € 25 (R$ 115 a R$ 145) para adultos e são € 8,50 para crianças de quatro a 12 anos. Menores de três anos não pagam a entrada. É possível comprar pacotes familiares ou de visitas a dois ou três museus, o que barateia o valor. Comprados pela internet, os ingressos são válidos por seis meses após a aquisição.

Com a proposta de expandir o conhecimento sobre o vinho, há também uma escola sobre a bebida. Não há emissão de certificados profissionais, é claro —afinal, os workshops duram, em média, uma hora. Mas, ali, é possível aprender sobre as características da bebida, como harmonizá-la com o chocolate, ou, então, a história das regiões vinícolas portuguesas, por preços que vão de € 25 a € 50.

Já nos restaurantes, está presente a cultura local da pesca, com pratos como o tradicional bacalhau ou a cataplana —receita com o peixe do dia, mexilhão, batata e coentros que leva o nome do recipiente em que é servida—, e pratos locais portuenses como a francesinha —sanduíche recheado de carnes, queijo, ovo e cujo segredo está no molho.

O peso no bolso muda se o visitante quiser ficar hospedado a 5 minutos a pé do WoW, no The Yeatman, hotel voltado para o lazer de luxo no Porto. Com 109 quartos e suítes, o local, aberto em 2010, quer atuar como uma espécie de embaixada do vinho português: são mais de 100 produtores parceiros, cada um nomeando uma suíte, e uma adega com cerca de 30 mil garrafas. A diária varia de € 235 a € 2.400 por adulto.

Os dois empreendimentos estão no guarda-chuva da mesma holding, a britânica The Fladgate Partnership (TFP), fundada por uma das famílias pioneiras na produção de vinho na região do Porto. Os envolvidos​ detalham que, além do óbvio desejo de expandir os negócios, no cerne do WoW esteve o objetivo de diversificar a estadia média do turista oferecendo atrações de enoturismo mais interligadas.

Outros fatores que entraram na balança foram o clima temperado e a proximidade do mar, que proporcionam chuvas ao longo de todo o ano, o que fazia urgir a necessidade de um projeto que oferecesse atividades não dependentes das condições climáticas. No verão ou no inverno —quando a reportagem esteve no local—, o visitante não se vê diante da decisão de abrir mão de algo devido às temperaturas.

Deu certo, segundo relatam alguns dos cerca de 100 trabalhadores do The Yeatman: desde que o WoW abriu, mesmo com a crise sanitária, o tempo médio de estadia dos hóspedes cresceu. Considerado de interesse nacional, o projeto também contou com investimento da União Europeia (UE) durante a fase de construção.

Também ali, a poucos passos, no WoW, está o centro de visitas da Taylor’s, uma das principais produtoras de vinho do Porto e empresa mais antiga da holding TFP. Com dezenas de barricas, ou pipas, algumas com madeira do século 18 —parte dela vinda do Brasil, deduz o turista brasileiro—, onde estão armazenados dezenas de milhares de litros de vinho, entendem-se as etapas de produção da bebida.

Questionada, a equipe local diz que há compromisso com a mitigação da mudança climáticaPortugal assistiu um terço de seu território em seca extrema no final de janeiro devido à escassez de chuvas; em 2017, a nascente do rio Douro secou. Uma das técnicas usadas é a construção de terraços inclinados para amenizar a erosão do solo nas vinícolas, além da não irrigação do plantio.

Diminuir a pegada de carbono na reciclagem das garrafas e no transporte do vinho ainda é um desafio para o setor, que já assiste aos impactos causados pelas estações climáticas cada vez mais instáveis. “Queremos que os negócios sejam rentáveis, mas também sustentáveis, para que os fornecedores possam continuar suas produções familiares”, diz à Folha uma das envolvidas.

A jornalista viajou a convite do WoW – World of Wine

Fonte: Folha de S.Paulo

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