Salvador investe R$ 15 milhões para valorização da identidade negra com o afroturismo

Com uma população composta por aproximadamente 80% de negros, segundo o IBGE, a Prefeitura de Salvador acaba de lançar um plano de reconhecimento desse valor humano e, com um aporte de R$ 15 milhões vindos do Banco Interamericano de Desenvolvimento, vai promover ações no chamado afroturismo.

Parte do valor —R$ 9 milhões— está sendo aplicada no programa Salvador Capital Afro que envolve, além de infraestrutura e logística para o turismo na perspectiva do negro, apoio ao trabalho dos afroempreendedores locais.

“Em oito meses, foram ouvidas 658 pessoas que participaram diretamente da construção desse plano”, diz Simone Costa, gerente de negócios e ações turísticas de Salvador.

O plano prevê estimular atividades culturais, religiosas, artísticas e econômicas, como dança, arte, literatura, música, moda, gastronomia e esporte, inserindo as pessoas que já fazem parte da identidade afro da cidade.

“A cidade é e sempre foi afro, não estamos criando ou apresentando como novidade. A nossa música é afro, a nossa dança é afro, o nosso povo é afro. A estratégia é se reconhecer como tal e se posicionar perante o mercado nacional e internacional com esse destino”, diz Simone.

O primeiro passo do programa foi fazer um diagnóstico sobre as demandadas da comunidade local, principalmente envolvendo os afroempreendedores. Um dos pontos destacados foi a baixa inserção no mercado. Por meio da plataforma AfroBizz, a prefeitura passou a agregar afroempreendedores, com uma espécie de vitrine para apresentação de produtos e serviços.

“Hoje estamos com 1.325 afroempreendores cadastrados na plataforma. Nossa meta, até o final do ano, é chegar a 2.500. Mas essa plataforma vai continuar rodando pela prefeitura.”, diz a gerente.

Foi por meio da plataforma que a empresária Danielle Salles, 42, turbinou a sua empresa de quitutes baianos congelados. Ela participou de três ações da AfroBizz e começa a colher os frutos.

“Uma das ações foi para exportação, e já estou em negociação para exportar uma tonelada dos quitutes.”

A empresária conta com uma estrutura física, uma foodbike e um tabuleiro chamado Rainha do Dendê. Hoje conta com três funcionários, mas diz que na alta temporada, entre novembro e fevereiro, chega a contar com dez.

“A história diz que fui escolhida pelos meus ancestrais. Minha avó é baiana do acarajé, tem 90 anos. Teve 12 filhos e cinco são baianas do acarajé convencionais. Com as inspirações das minhas tias que decidi vender esses quitutes congelados”, diz a baiana, que estudou turismo, direito e auditoria fiscal, antes de partir para a culinária, há cinco anos.

O ofício das baianas do acarajé, patrimônio cultural imaterial da cidade, também está dentro do plano de ação do programa Salvador Capital Afro. Em novembro, segundo a prefeitura, será divulgado o primeiro censo das baianas realizado em Salvador. Também serão entregues novos equipamentos às baianas.

O black money, ideia que tem como objetivo incentivar que pessoas negras possam consumir de outras pessoas negras, também foi pensado na concepção do plano, segundo a prefeitura.

“Não adianta fazer esse reconhecimento cultural e a potencialidade turística se a gente não faz a economia desse dinheiro circular entre os negros”, diz Simone.

Alan Soares, um dos fundadores da hub digital Movimento Black Money, diz que esse estímulo vai dar um dinamismo à economia de Salvador. Porém, faz ressalvas.

“Não pode parar no campo da educação das ferramentas. O importante é que a cidade, a prefeitura possam, ao final do programa, entregar os insumos para que o indivíduo possa prosperar.”

Ligada especificamente ao afroturismo, foram feitas algumas ações, como o Via Black, que visa criar ou fortalecer dez roteiros afrocentrados na cidade de Salvador e mais 30 pontos de visitação.

Segundo a prefeitura, esses locais serão formatados e apresentados aos guias para comercialização e consumo direto.

André Carvalho é sócio da Experiência Griô, iniciativa da promoção da cultura negra, da reconstituição de memórias a partir de caminhadas pela capital baiana, puxando o afroturismo como ferramenta.

Professor secundarista de história da rede estadual da Bahia, ele entende que o afroturismo pode ser pensado como uma ferramenta pedagógica.

“Estou na sala de aula desde 2003 tentando promover a lei 10.639, que tenta impor a responsabilidade da escola na maneira de trabalhar a história da África, do africano, dos afrodescendentes”, diz.

“Desde 2019 comecei a fazer essas caminhadas pensando em como conectar esse patrimônio histórico que nós temos. Os museus, as ruas, os monumentos, os espaços.”

Durante todos os finais de semana do mês de setembro e no primeiro final de semana de outubro serão realizadas ações em territórios estratégicos. O primeiro será em Liberdade/Curuzu, depois, o centro histórico, Rio Vermelho, Itapuã e Ilha de Maré.

Intolerância religiosa

O Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, órgão vinculado à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia, registrou 81 casos de racismo e 37 de intolerância religiosa no estado em 2021.

Em 2022, até julho, foram 35 denúncias de racismo e 21 de intolerância. Esse grande volume de denúncias também mapeia o plano de desenvolvimento do afroturismo de Salvador.

Segundo Simone Costa, está sendo desenvolvido um projeto que tem como propósito fazer um reposicionamento histórico. “Começar a falar de uma maneira mais realista de todas essas questões que permeiam a intolerância religiosa, a questão racial e a diversidade”, diz.

“Muitas vezes o desrespeito acontece pela falta de conhecimento. Então essas barreiras simbólicas precisam ser quebradas para que haja um entendimento”, declara.

Fonte: Folha de S.Paulo

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