Se o escritório não existisse, não iríamos inventá-lo como é hoje, diz CEO do Airbnb

O escritório atual, caso não existisse, não seria inventado da forma como é, considera Brian Chesky. CEO do Airbnb. Ele avalia que o modelo é algo da era pré-digital, e que precisa ser remodelado para os novos tempos, assim como a ideia de ir ao escritório em si.

Chesky conta que a empresa teve os dois anos mais produtivos de sua história enquanto trabalhava à distância, o que o faz apostar forte no modelo. Há algumas semanas, anunciou que seus colaboradores americanos poderão seguir trabalhando de modo remoto, de qualquer lugar, e planeja contratar mais gente que mora longe das sedes da empresa.

“Uma vez que as companhias se tornem mais espalhadas, elas vão precisar se reunir em São Francisco, Chicago ou Flórida. Podem alugar espaços quando precisarem”, disse Chesky à Folha. “Ainda não entendemos tudo, e nos próximos dois anos vou ter muito mais opiniões sobre isso, porque tudo é um experimento. Apenas começamos”, comentou.

O Airbnb lançou nesta quarta (11) uma nova versão de seu site e app. A nova versão divide as hospedagens em mais de 50 categorias, como piscinas incríveis, castelos, casas de campo, celeiros, barcos etc. O novo layout também privilegia as fotos das hospedagens, em um modelo que lembra postagens de redes sociais como o Instagram.

A plataforma também passará a oferecer, de modo gratuito, um pacote de proteção chamado AirCover, que inclui garantias de reembolso ou realocação em casos de cancelamento por parte do dono do local, dificuldade no check-in e divergências entre as vantagens oferecidas e as instalações reais. Haverá também uma central de atendimento 24h para ajudar em questões de segurança.

A empresa, que teve 30% de queda no faturamento em 2020, por causa da pandemia, conseguiu recuperar o volume de clientes. No primeiro trimestre de 2022, as noites reservadas cresceram 32% em comparação com o primeiro trimestre de 2019, e estão em patamar recorde, segundo dados da companhia.

Em 2021, cerca de 20% das noites reservadas no Airbnb foram para estadias de um mês ou mais, e quase 50% para uma semana ou mais.

Chesky conversou com a Folha em Nova York, após um evento de lançamento das novas funções.

Como vê o futuro do trabalho remoto? Bem, é apenas uma previsão, e todas previsões podem estar erradas. Todo mundo reconhece que cinco dias por semana não é sustentável para a maioria das pessoas que trabalham em escritórios. E penso que a razão disso é que a flexibilidade, depois da remuneração, é provavelmente o benefício que as pessoas mais buscam.

Quando anunciamos nossa política de flexibilidade, isso foi um muito bem recebido dentro da companhia e realmente muito bem recebida fora dela. Tivemos mais de 1 milhão de pessoas visitando nossa página de vagas. E só temos 6.000 pessoas na companhia. Pense o quanto isso é louco.

Essa é a razão por que acho que a semana de cinco dias no escritório, para a maioria, está acabada. E então a questão é se você não vai voltar ao modelo de cinco dias, fará como? Muitas pessoas pensam em um meio-termo, de três dias por semana.

O problema é que três dias não oferecem muito mais flexibilidade do que cinco dias por semana.

Você pode ter fins de semana estendidos, mas não pode ficar longe por muito tempo. Ainda tem que estar morando perto do escritório. E muitas pessoas decidiram que não querem viver em São Francisco ou Nova York. Querem viver em outros lugares.

Na minha visão, os três dias na semana vão se tornar dois dias na semana. Tenho amigos que trabalham em grandes empresas e ocorreu isso. E eu aposto que no verão isso vai virar um dia por semana. E quando você vai um dia aleatório por semana no escritório, em que dia as pessoas ficam juntas?

E qual a saída? Em vez disso, porque não tentamos reservar períodos de tempo para trabalharmos juntos [presencialmente], como uma semana por vez? Ou duas semanas por trimestre? Acho que muito rapidamente a maioria dos CEOs que escolheram o modelo híbrido vão mudar para o nosso modelo, mas vão ter uma jornada mais longa e dolorosa até chegar lá.

Se você quer prever como será o futuro do trabalho, olhe para as empresas novas, e não para as velhas. Há 20 anos, empresas novas adotaram escritórios de andar inteiro aberto, com brindes. Há 20 anos, o Google era uma empresa pequena.

O que o sr. levará em conta para avaliar sobre seguir ou não com o trabalho remoto na empresa? Principalmente três pontos. Olharia a produtividade da empresa, como se estamos entregando novas coisas, se estamos sendo efetivos. Tivemos os dois anos mais produtivos da nossa história.

O segundo é retenção. As pessoas estão felizes? E a terceira é contratação. Estamos trazendo mais gente?

Como avalia que será o design do escritório do futuro? É um tema divertido, que anda rodando na minha cabeça. Acho que o escritório é como um Blackberry. É um tipo de espaço geral para tudo. Mas não é muito bom para reuniões, para se concentrar. A grande coisa do iPhone é que a interface muda de acordo com a função que você usa.

Se eu quero fazer algo fora do escritório, porque não ir para uma área de retiro, com uma cachoeira? Se você quer fazer uma grande apresentação, pegue um teatro todo. Se você quer colaboração criativa, não vai querer um andar inteiro aberto, mas uma sala com espaço menor onde possa fixar coisas. Se quero pessoas concentradas no trabalho, vou querer que elas tenham escritórios privados.

Então, precisamos ir destes espaços multi-uso para espaços mais de função única, que sejam exatamente o que precisamos.

Uma vez que as companhias se tornem mais espalhadas, elas vão precisar se reunir em São Francisco, Chicago ou Flórida ou podemos mudar as cidades? Elas podem alugar espaços quando precisarem. Ainda não entendemos tudo, e nos próximos dois anos vou ter muito mais opiniões sobre isso, porque tudo é um experimento. Apenas começamos.

O escritório é um formato da pré-era digital. E se ele não existisse, não iríamos inventá-lo como ele é hoje. Inventaríamos algo novo.

A pandemia afetou o turismo de modo profundo? Ou as coisas devem voltar ao que eram antes? A pandemia foi predominantemente boa para as macrotendências de viagem. Digo isso com o conhecimento de que houve muito sofrimento e dor e muitas áreas encurraladas, com pequenos negócios falindo.

Mas a boa coisa sobre isso é que houve uma mudança de turismo de negócios para turismo de lazer. Não sou contra o turismo de negócios, mas gosto do turismo de lazer.

O modo mais significativo de viajar é com a família, os amigos e as coisas que você faz. Provavelmente não as reuniões que você teve enquanto viajava.

Quando as fronteiras fecharam, as pessoas pararam de buscar destinos como pontos turísticos e ônibus de dois andares. Eles vão voltar, mas as pessoas descobriram outros modos de viajar, como ir a parques nacionais, cidades pequenas, comunidades rurais. Casas se tornaram destinos.

A pandemia meio que nivelou o campo para as viagens, que estavam se tornando meio commodities, turismo de massa. Minha visão otimista é que a pandemia começou a mudar isso.

Vivemos uma alta de aluguéis em várias partes do mundo, e o Airbnb já foi apontado como uma parte da questão, já que quando proprietários preferem ofertar casas para turistas e não para moradores, a oferta para aluguel de longo prazo se reduz. Como a companhia lida atualmente com esta questão? Habitação é uma coisa super complicada. Há geralmente mais coisas para lidar com políticas urbanas de moradia do que com qualquer fator externo.

Tentamos fazer nossa parte. Cumprimos com leis e regulações locais. Algumas cidades dizem que você só pode alugar [para turismo] por 120 dias por ano e fazer um registro, e o fazemos. Cidades dizem que você tem de pagar imposto como hotel. E pagamos. Na verdade, pagamos US$ 4 bilhões em taxas assim.

Mas o Santo Graal aqui é espalhar o turismo.

Você pode dizer que há uma pegada de carbono gerada pelas pessoas se movendo, mas há benefícios econômicos e sociais nisso. Humanos são nômades, de certa forma. O melhor antídoto é espalhar as pessoas pelo calendário e pelo globo. Tentar fazer as pessoas não irem todas a um mesmo lugar nos mesmos dias. Não vá só para Paris, Roma, Atenas.

As comunidades são melhores quando há uma mistura de locais e gente de fora. Se há muitos de fora, não há comunidade. Mas se não há pessoas de fora, você se torna xenófobo, de mente fechada.

Onde há mais visitantes do que moradores, você provavelmente está concentrando muita gente. E as ferramentas atuais estão criando esse problema.

Quando você cria uma caixa de busca, você força as pessoas a digitar o que elas ouviram falar, e todo mundo vai digitar os mesmos lugares, e irão aos mesmos lugares, haverá filas e os aluguéis vão subir.

O Airbnb planeja investir mais em locações e estadias de longo prazo? Fizemos um pouco desta vez, com as estadias combinadas [sugestão de dividir o tempo de hospedagem entre dois locais na mesma área] que são uma grande forma de usar o produto por mais de uma semana.

Mas, sim, em novembro vamos ter atualizações, próximo maio também, e você deveria esperar um monte de novidades sobre estadias longas. O Airbnb definitivamente está indo de viajar para morar.

Como vê as perspectivas para o turismo no Brasil e na América Latina. A valorização do dólar frente as moedas locais pode atrair mais turistas para a região? É possível, mas vejo como um fator secundário. A grande coisa nos padrões de viagem é a liberdade de movimentos.

Por exemplo, estamos vendo muitos turistas cruzando fronteiras onde elas estão livremente acessíveis, algo que não há na Ásia agora, por exemplo.

Como tem aproveitado a possibilidade de trabalhar de qualquer lugar? Como escolhe os próximos destinos? Eu simplesmente abro o app, olho as casas e pego algo que goste. Não tenho uma abordagem sistemática. Eu fiquei, por exemplo, em uma casa em Ann Arbor, Michigan, com [a cachorra] Sophie.

Não estava procurando ir para Michigan, mas eu fui e vi que Ann Arbor é uma cidade universitária legal. Eu nunca tinha pensado na vida que ali seria minha casa. Então não tenho ideia de para onde vou em seguida.

Ficarei em Nova York mais uma semana ou duas, e depois provavelmente vou a outro lugar que não tenho ideia. Amo a espontaneidade de viajar.


Raio-x

Brian Chesky, 40,
Nascido em Niskayuna, NY, se formou em design na Rhode Island School of Design. É co-fundador do Airbnb, criado em 2007, e atual CEO da empresa. Tem fortuna estimada pela Forbes em US$ 9,2 bilhões, e se comprometeu a doar a maior parte de sua riqueza ainda em vida.

Fonte: Folha de S.Paulo

Marcações: