Um passeio em Madri com Bruno Gagliasso

“Sabia que essa floricultura era um cemitério?’, me pergunta Bruno Gagliasso. Estou passeando por Madri com um dos melhores atores brasileiros da sua geração e, mesmo conhecendo a cidade (e o Bruno), fui pego de surpresa: eu achei que conhecia a capital espanhola mais que ele.

Eu deveria ter desconfiado. Durante oito meses em 2021, o ator viveu em Madri para gravar uma nova série da Netflix, “Santo”, que estreia na sexta (16) internacionalmente. E agora eu estava ali, convidado a passear com ele pelas locações das filmagens.

Não era a primeira vez que eu pensava naquela cidade como cenário. Eu a conheci no início dos anos 1980, quando andava pelos arredores da Gran Vía na madrugada com uma revista chamada “Madrid Me Mata” (juro!) embaixo do braço, perambulando por lugares que um dia eu veria naqueles primeiros filmes de Almodóvar.

Já nos anos 1990, entrevistando Rossy de Palma, uma das musas do grande diretor espanhol, ela me contou que era por ali mesmo onde eu andava que ela se apresentava em cabarés efêmeros, no início da carreira, com sua banda brilhantemente batizada de Peor Impossible. Quase chorei quando lembrei ter assistido a um desses shows.

A Madri que eu percorria agora com Bruno era outra. Não menos boêmia, mas mais moderna e urbana, por vezes até mais sombria. Três adjetivos que inevitavelmente combinam também com “Santo”.

Nela, Gagliasso vive um policial federal brasileiro que, sem muito spoiler, acaba nas ruas madrilenhas procurando por um bandido que ele começou a perseguir em Salvador. Santo não é um criminoso comum, e aos poucos vamos entendendo a obsessão de Ernesto Cardona, o personagem de Bruno, por ele.

A história é um quebra-cabeças, que vamos montando e percebendo como um bandido cruel (e sádico) se tornou uma espécie de culto, criando até uma própria mitologia. E que prazer que foi sentir na própria Madri a energia dos endereços que fazem parte da história.

Começamos pelo apartamento onde ele se hospedou durante as filmagens, um charmoso prédio na rua de los Madrazos, vizinho à entrada dos atores do imponente teatro Zarzuela. Bruno estava em casa.

De lá, fomos para o bairro de Las Letras, onde Cardona morava, um trajeto de 15 minutos durante o qual Bruno se encantava em cumprimentar as pessoas dos lugares que frequentava. Em oito meses dá pra ser conhecido na vizinhança…

Em Las Letras fica a tal floricultura/cemitério onde ele comprou rosas brancas para um ritual de purificação de seu personagem. Mesmo em solo espanhol, Cardona parece que nunca saiu da Bahia…

Paramos para comer no estupendo Mercado de San Miguel, onde Bruno “batia o ponto” entre uma filmagem e outra. Beliscamos ali umas tapas —sim, no feminino, como os espanhóis chamam os aperitivos.

Fui de espetinho de azeitonas (viva a Espanha!) e ele encarou umas empanadas. Tudo regado a um bom “tinto de verano”. Sugiro dar um google para achar a receita perfeita da melhor bebida para o verão.

Passamos depois pela faculdade de medicina da Universidad Complutense, cenário de um momento em que Cardona, durante uma alucinação, quase pula da janela. E a belíssima estação de trem Príncipe Pio, que eu não conhecia, onde foi filmada uma das várias cenas de ação de “Santo”.

No fim do dia, dei o braço a torcer: Bruno conhecia Madri melhor do que eu. Mas não me dei por vencido.

Apesar do cansaço, perguntei se ele não queria tomar algo, e sugeri um novo templo dos vinhos naturais na cidade, o Gota. “Conhece?”, perguntei como provocação. “Não”, disse Bruno animado. Começava ali nosso segundo round.

Fonte: Folha de S.Paulo