Viajante dá dicas de como aproveitar Belém em 48 horas

Muita gente do ramo do turismo prevê que, enquanto a pandemia estiver arrefecendo, as pessoas darão prioridade a viagens curtas, dentro do próprio país. Entre os motivos, poucas horas dentro de um avião ou carro, menos restrições alfandegárias e motivar a economia local.

Caso você se enquadre nesse grupo de viajantes, trago o relato da turismóloga Isadora Santos, que passou o fim de semana em Belém (PA).

Com pouco tempo disponível, ela tentou aproveitar tudo que fosse possível na capital paraense. Na lista de locais visitados, o tradicional Mercado Ver-o-Peso e a ilha de Combu.

Em tempos de coronavírus não podemos viajar, e muitas vezes nem sair de casa. Mas ainda podemos relembrar momentos marcantes que tivemos em outras cidades. Que tal compartilhar sua história de viagem com o blog Check-in? É só escrever para o email [email protected].

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Sabe a famosa crise de meia idade? Aquele momento em que você sente a idade chegando e resolve recuperar tudo que acha que não viveu? Bem, prestes a completar 25 anos, tive uma dessas um pouco antes da hora e resolvi que já era tempo de fugir da rotina. O que fazer? Comprar um carro? Pintar o cabelo? Não: viajar, é claro.

Até então todas minhas viagens foram planejadas com, pelo menos, um ano de antecedência. E muita —MUITA— pesquisa.

Motivada por um burburinho dos youtubers de culinária sobre os atrativos e a gastronomia de Belém (PA), senti-me atraída pela ideia.

Meu conhecimento sobre o destino era só o que eu via nos vídeos. Porém, em um ímpeto —e acompanhada por um namorado que sabia ainda menos do que eu sobre o local— viajei para passar apenas o final de semana do meu aniversário na cidade.

Estava na cara que Belém ia muito além da Banda Calypso e do tradicional Círio de Nazaré. O que falavam sobre o lugar já era um spoiler da diversidade e dos tesouros aguardando para serem descobertos. E eu estava —ou achava que estava— pronta para desbravá-los.

Dia 1 – As frenéticas primeiras 24 horas

Mercado Ver-o-Peso

Como uma grande feira ao ar livre, o mercado exibe uma variedade de produtos amazônicos. Peixes frescos e camarões de todos os tamanhos enchem os olhos, e o olfato, de quem passeia por perto.

Vejo uns poucos turistas se aventurando a provar algumas das frutas regionais, seja in natura ou nas polpas e sucos. Um presente refrescante para combater o calor que se instala no local.

As famosas cachaças de jambu também estão à disposição para tremer a língua dos curiosos e apreciadores da iguaria. O jambu, erva comum ao norte do país, é o orgulho dos paraenses. Também chamado de “Agrião do Norte”, causa comoção não somente por seu sabor intenso e surpreendentemente refrescante, mas pela sensação de dormência na língua e nos lábios de quem a prova. Por isso, é possível encontrar o jambu em diversas preparações da culinária regional, como no tacacá e no pato com tucupi, e até mesmo em receitas medicinais caseiras.

Os licores, cuja essência é tirada dos frutos amazônicos, surpreendem na doçura e são uma opção acessível para levar de lembrancinha para os amigos que querem ter um gostinho do Pará.

Com todos os meus sentidos aguçados e pensando que já tinha visto de tudo, fomos abordados por algumas mulheres que queriam nos apresentar os seus produtos.

Aí sim, outros sentidos foram despertados. Fomos apresentados às garrafadas, chás e feitiços do Ver o peso.

Sem nenhum pudor, nos ofereceram uma garrafada para fazer a “perseguida ficar apertadinha e enlouquecer qualquer homem”. Caso esse não fosse o interesse principal, tínhamos opção de escolher o “Viagra natural”, “pega dinheiro”, “afasta corno”, dentre outras.

Ainda que apresentado de forma cômica e inusitada, as “cheirosas” (mulheres que as preparam) definem as garrafadas como uma mistura do conhecimento medicinal dos povos indígenas e do conhecimento de magia do povo africano que foi trazido ao Brasil.

Resgatando as origens do povo brasileiro e mostrando como os belenenses abordam a fé. Toda a experiência me emocionou de uma forma que eu não esperava.

No mercado, uma música que não parava de tocar chamou minha atenção com uma letra que contava sobre urubus sobrevoando a doca do Ver-o-Peso, e imediatamente pesquisei do que se tratava.

Interpretada pela Dona Onete, a música “No meio de pitiú” é um dos hinos do carimbó, uma dança e gênero musical típicos do norte do país, que possui influências indígenas e africanas.

Tive uma surpresa ao ver que não era somente uma brincadeira da música: as docas do mercado são repletas de urubus, que sobrevoam os barcos pesqueiros, andam livremente na rua e encaram com malandragem no olhar cada freguês comprando seu peixe para o almoço de domingo.

Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré

Inspirados pela regionalidade pujante da cidade, queríamos explorar mais a história, os traços de fé e as origens do povo belenense.

Saindo do mercado, não muito distante, avistamos a fachada da Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré.

Tombada como patrimônio histórico, ela se destaca na cidade com uma arquitetura diferenciada, neoclássica e imponente.

Ainda assim, é dentro dela que a mágica acontece.

A basílica se mostrou para nós como um local de paz em meio ao caos, fresca e silenciosa. A luz natural que entrava pelos vitrais, os altares com flores e velas, e a vibração dos devotos que faziam suas preces, tornaram a experiência algo muito especial.

Com cara de turistas admirados, chamamos a atenção de um pároco que gentilmente nos abordou para contar um pouco sobre a paróquia e sobre o desenvolvimento da devoção a Nossa Senhora de Nazaré na cidade e no mundo católico como um todo.

A basílica é o ponto final da maior procissão católica do mundo: o Círio de Nazaré. Reunindo milhões de fiéis, representa a intensa fé e devoção dos paraenses.

Antes de nos despedirmos e continuar descobrindo a cidade, me ajoelhei e fiz uma prece de agradecimento por tudo o que já estava vivendo naquele final de semana.

Após sair da igreja, continuamos pelo centro histórico em busca de mais achados impressionantes e, como diz o ditado, “quem procura acha.” Demos de cara com uma edificação militar imensa e muito bonita. Decidimos seguir a pequena fila que se formava para entrar na construção, chamada Forte do Presépio.

Se visto de fora o forte já parecia impressionante, fomos arrebatados pela beleza do local por dentro. Trata-se de um grande sítio histórico cujas peças de artilharia como canhões se mantêm intactas e de onde ainda é possível ter uma visão privilegiada dos barcos e de parte do mercado Ver-o-Peso.

O mais surpreendente do local é que ele abriga não somente o sítio histórico em si, mas também um pequeno museu, o Museu do Encontro, que narra a colonização portuguesa na Amazônia.

São poucas as peças encontradas em escavações, mas ver os artefatos pré-históricos dos nossos ancestrais, achados na nossa própria terra, foi uma experiência surpreendente. É um sentimento de conexão muito forte e profundo, porém a culpa que se segue é tão forte quanto.

A exposição também faz questão de mostrar o resultado do contato com os colonizadores, e podemos ver o quanto de riqueza cultural foi perdida e o quanto nossas comunidades indígenas contemporâneas ainda precisam que seus costumes sejam preservados.

A cidade velha de Belém ainda abriga muitos outros tesouros arquitetônicos e históricos: como o Palacete das Onze Janelas e o Museu de Arte Sacra. O chamado Complexo Feliz Lusitânia, que reúne todas essas construções, é tombado pelo Iphan como patrimônio histórico e cultural.

Conseguimos finalizar o primeiro dia com uma sensação estranha, uma mistura de “dever cumprido” com “não vimos tudo o que deveríamos”. Em um dia conseguimos nos apaixonar por Belém e ver muito do que torna a cidade única, mas um lugar tão especial merece ser apreciado com mais atenção.

Entretanto, o cansaço falou mais alto e já estávamos prontos para cair no sono pesado de uma noite de verão e ansiosos para as surpresas que a cidade guardava para o nosso próximo dia.

Dia 2 – Para remansar e se preparar para a despedida

1. Remanso
S.m. Cessação da ação; suspensão, paragem.
Descanso, sossego.
Retiro, recolhimento, pouso.

Ainda desacostumados com o calor do Norte, que nos deixou muito mais cansados que em qualquer outra viagem, queríamos aproveitar o último dia com tranquilidade.

Fomos na opção de passeio que melhor atenderia ao nosso propósito do dia. E claro, que pudesse nos refrescar: ilha do Combu.

Os barcos com destino à ilha do Combu saem de um minúsculo porto sem muita infraestrutura. Dica: chegue cedo e sonde com calma o lugar antes de escolher seu transporte.

Alguns barcos pequenos levam os passageiros —mais locais do que turistas— para os diversos restaurantes espalhados pela ilha. Apenas sentar em algum deles e passar o dia já é um passeio válido, e a comida servida nos restaurantes são a cara do lugar, muito açaí com farinha e peixes de rio.

Aproveitei meu último dia observando os turistas se arriscando a tomar um banho de rio, comendo caranguejo e escutando tecnobrega —filho do carimbó— muito bem representado por Joelma e seus companheiros.

Um final de semana em meio a sabores, cheiros, cores e personas de um lugar mágico. De uma simplicidade que falta no turbilhão de São Paulo. Retornei com a sensação de que fiz a escolha certa para essa passagem de anos.

Despedi-me de tudo pelo que me apaixonei na cidade: do cupuaçu e do taperebá, da tapioca e da cachaça de Jambu.

Me despedi do carimbó, das garrafadas e dos feitiços, dos urubus e do rio.

De toda essa rápida experiência fica a vontade de voltar para mais descobertas: Belém do Pará é daqueles lugares para mergulhar em uma cultura tão própria do Brasil e, ao mesmo tempo, de outro mundo. Para o brasileiro se encontrar dentro do próprio país e vivenciar a nossa mais pura identidade.

A crise existencial? Continua aqui. O final de semana só potencializou a vontade de conhecer as diferentes e exóticas cidades do nosso país. Acho que tenho compromisso para todos os meus próximos aniversários.

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Aviso aos passageiros 1: A leitora Amanda Alberola contou ao blog como foi a viagem com os filhos pequenos para o Pantanal de Mato Grosso

Aviso aos passageiros 2: No Rio Grande do Sul, Bento Gonçalves tem como atrativo vinho, esportes radicais e atividades infantis, de acordo com a leitora Deborah Caldas de Melo

Fonte: Folha de S.Paulo